“ E lá estava ela, estátua de mármore, fantasma de carne que se recorta em contraluz”
Imaginemos o sofrimento suportado por essa alma solitária, o desespero silenciado pela ausência de uma voz amiga, de um coração solidário. Ela já não estava ali. Já não há mundo, não há casa, pai, (mãe nunca houvera) não há vida, não há nada. A sua existência assemelhava-se agora a um quadro negro, terra ressequida, queimada, ausência de vida e de cor, natureza morta, deserta , paisagem cinzenta e nua esbatida a esfuminho.
O pranto silencioso com as lágrimas vertendo para dentro, afogando-lhe a alma.
Quando a sua criada de quarto a veio avisar que o pai lhe pedia que descesse e viesse cumprimentar o pretendente, por ele escolhido, já ela tomara banho e escovara os seus cabelos de oiro. Disse-lhe que dissesse ao pai que ela ia já. Tirou o mais belo vestido de noiva que atempadamente comprara, vestiu-o e deixou estas linhas ao pai:
“Não posso, meu pai; dormir com um homem com os sentidos e o pensamento noutro.
Meu pai, perdoe a sua filha.”
Tomou dois frascos de comprimidos e entregou-se ao seu amor.
“Esta quase, meu amor. Meu querido, recebe a tua mulher”
Deitou-se e aquele espírito inquieto, sossegou finalmente.
“ Vêem esse homem tão pálido e tão triste? Desceu ao Inferno!”
Depois os acontecimentos precipitaram-se. A morte dela abriu a porta do conhecimento à mãe que corria os imensos corredores daquela enorme mansão, abrindo todas as portas procurando a filha.
A filha que nunca escutara, nunca aconselhara, nunca ajudara. A vulnerabilidade desamparada.
“Oh! Vem meu bebé. Onde estás, meu amor? Vem! Vem à mamã!”
Se à mãe a morte da infeliz criança entreabrira as portas da consciência, ao pai escancarara-as com estrondo. A sua filha, a sua menina, a mais bela flor do mais perfumado jardim, onde estava? Deus Santíssimo! E ele?! Desgraçado de si mesmo. Que fizera? Que fizera ele à menina que deveria proteger, guardar, amar! A sua menina que trouxera nos braços de pequenina, rindo para si confiante nos braços que não a deixariam cair. A filha que todo o pai se orgulharia de ter. Deus! Agrilhoara-lhe a exuberância antes de lhe roubar a vida.
Três dias depois, uns negros que passavam por ali, encontraram no meio do mato o corpo pendurado a mais de cinco quilómetros de casa. Mero acaso. Os grandes pássaros volteando em círculos no céu, despertaram-lhes a curiosidade de investigação para algo comestível cá em baixo. Encontraram não para eles, mas para os corvos que já o tinham tornado quase irreconhecível.
Isto era o que se sabia, que se contava e se aceitava, quanto a mim com algum cepticismo, já para não dizer com dúvidas sobremaneira consideráveis.
Era verdade sim que uma rapariga reprimida por uma educação retrógrada e exagerada se suicidara por o namorado ter morrido na guerra, que a mãe enlouquecera e o pai se suicidara também por não suportar o desgosto, mas por que motivo depois de morta se andaria a passear de noite numa estrada sujeita a ser atropelada e a quinar de novo? Afinal, todos falavam mas nunca ninguém a vira. Ou não era verdade?
Colegas meus, e eu próprio, quantas vezes nesses quase dois anos de trabalhos não passáramos de noite nessa estrada e nunca a víramos? Ou era mentira?
Está bem que não podia assegurar com certeza fidedigna se eram ou não noites de sexta-feira, mas em tantas vezes algumas teriam calhado, ora essa. Ou… só há um mês de Agosto por ano e esse só comporta quatro ou cinco sextas-feiras. E teria, porventura, nunca ter calhado?
Não! Se não calhou a mim calhou a quaisquer outros e nunca nenhum veio dizer. Enfim, tinha de se falar de alguma coisa, não era’
Aliás, nem se falava. Tinha sido tema badalado até a exaustão, mas só no principio enquanto era novidade. Agora quase dois anos após todo o mundo estava mais empenhado em saber se o Benfica ia ou não voltar a ser campeão europeu.
Ia lá agora passear-se à meia-noite pela estrada. Pois sim! Ia, então não ia, coração!
Na última sexta-feira do mês de Agosto de 1973, com os trabalhos praticamente no seu término, eu deveria trabalhar o turno da noite, mas o equipamento avariou no turno anterior e eu fiquei livre e mais contente que um pássaro após ter cativado a passarinha para o ninho. Ia fazer uma surpresa daquelas à minha mulher que só me esperava no dia seguinte. Meti-me no carro, desci os dois quilómetros da estrada de acesso ao acampamento, entrei na estrada Benguela Lobito , virei à direita para o Lobito e carreguei no prego.
Eram aproximadamente dez horas de uma noite particularmente escura.
“ Ah! O amor! A terna e doce palavra que só o pronunciá-la já é uma carícia”
O que se contava dela era o seguinte. Filha única de uma família rica; o pai era um dos maiores armadores da colónia ( que o Governo português teimava em alcunhar de Província Portuguesa em África), era uma daquelas mulheres que por insondáveis e nunca explicados mistérios da natureza se distinguem naturalmente das demais, a sua beleza seria o seu martírio às exigências de um pai prepotente e autoritário que idealizara para ela um casamento com alguém que a fizesse feliz. Isto é; alguém ainda mais rico do que ela.
Isso parecia não incomodar a filha para quem as preocupações do pai eram para si o menor dos seus problemas. Era nova, só agora fizera os dezassete anos, dentro de meses iria para Lisboa cursar medicina na Faculdade Santa Maria, nunca se apaixonara, tirando o amiguinho da primária que lhe carregava a mochila e lhe aturava as birras, mas isso, via agora claramente, não passara de um inocente devaneio de criança e quando o amor surgisse casava com ele e pronto. Era isso, tinha tempo. Agora ia estudar e quando fosse uma médica famosa, ( pelo profissionalismo e competência que não pela vaidade) iria salvar muitas vidas que o mundo andava mesmo a precisar. E depois o pai ia mudar. Não era ela a menina querida dele? A filha por quem ele tudo fazia? Então?
Mas ela enganava-se. Era efectivamente a menina do pai, a sua menina querida mas, à sua maneira. Isto é! Compreendendo e aceitando que era a ele, pai, cabeça do lar e por isso mesmo responsável pela família, a quem competia saber o que era mais conveniente para a vida futura dela. A mãe já aceitara essa verdade. Aliás, já a sabia e trouxera-a com ela para o casamento. Por que raio não compreendia ela isso? Que ele só queria a sua felicidade?
De facto ela não compreendia nem tão-pouco se dera alguma vez ao cuidado da compreensão, porque se o tivesse feito seguramente o futuro não se lhe apresentaria tão radioso como se lhe afigurava agora.
Era uma época muito difícil para a mulher. Exceptuando a burca e a lapidação, as diferenças para as sarracenas não eram muito diferentes nem deveras significativas.
Ela, e o mundo feminino, e o masculino, já agora; ainda não sabiam mas isso ia mudar. A minissaia que mais rapidamente do que a ágil chita lá na savana catrapisca a desprevenida gazela, não só libertaria as bonitas pernas como as mentes e as personalidades, voava para ali.
Infelizmente para ela e para muitas, chegaria demasiado tarde.
Por enquanto era e seria assim. O homem sabe, pode e decide.
E esse conhecimento era levado muito em conta. Do que convinha às mulheres sabiam-no eles de ginjeira.
Foi para Lisboa estudar medicina, compartilhava com a tia, e família dessa, a casa que o pai atempadamente comprara para ela, filha; veio de férias passado um ano, regressou aos estudos, voltou novamente no ano seguinte e, subitamente tinha vinte anos.
E foi assim que na tarde de um Sábado do mês de Julho do ano de 1963, quando acompanhada pelos pais a encantadora menina se encontrava a degustar uns deliciosos camarões numa esplanada à beira da praia Morena, aconteceu que um rapaz no prosaico intuito de beber uma cerveja, franqueou o acesso à sala e os seus olhos esbarraram nos dela. Um raio que ali tivesse caído, tivesse ele a potência que tivesse, nunca provocaria tamanha devastação nem nunca os estragos seriam comparáveis. Foi devastador! Ela sufocou-se e num gesto irreflectido, considerando um pai observador ali ao lado, levou as mãos ao peito comprimindo o coração que sentia, querer de lá saltar.
E ele? Ah! Esse nada sabia, nada compreendia. Reparara sim no fogo daquele olhar que para sempre lhe queimara a alma, de resto nada compreendia. Instintivamente soube que não podia olhar mais para ela Vacilou, cambaleou e arrastou-se dali para fora como pôde. Nunca soube se efectivamente bebera a cerveja, ou sequer se a pedira.
Nessa noite dançou com ela…uma única vez. O zeloso progenitor antecipando as mais do que comprovadas certezas para onde a filha encaminharia o bailarico, sem qualquer cuidado ou respeito segurou-a firmemente por um braço e arrastou-a dali para fora.
Infundado intento, inútil e inglória veleidade. Foi só uma dança, mas o mais profundo e verdadeiro amor tinha sido mutuamente declarado, aceitado e para toda a eternidade jurado.
O pai opusera-se a esse amor, primeiro; exigira depois, gritara e decretara por fim. Não! Nunca! Ela calara, mas ai. Não há força na natureza que agrilhoe um grande amor. Não há força maior no universo do que uma vontade apaixonada.
Malgrado todo o esforço paterno, toda a vigilância a que estivera sujeita todas as condicionantes impostas, sujeições emocionais e outras, o facto é que aquele indómito coração apaixonado, no mais recôndito lugar do imensurável jardim da sua sumptuosa mansão, se encontrava naquela noite de sexta-feira do mês de Agosto de 1963, véspera da partida do seu amor para a guerra, nos seus braços trocando alucinadas promessas de amor e terrificantes juras de fidelidade eterna.
Não demorou muito ao pai tomar conhecimento da desobediência da filha, e num acto do mais tresloucado estado emocional, ter-lhe-ia também ele jurado, que nunca! Nem passando por cima do seu cadáver, essa união seria consumada. E perante o ar aturdido da filha, desfechara as palavras fatais que a ela lhe selariam o destino:
- Que o Diabo lhe dê destino e o acompanhe na ida para o inferno.
Enquanto se afastava espumando a sua ira, não ouviu a voz sumida e magoada da filha desfalecida:
- Oh meu pai, amaldiçoou a sua filha.
Alguns meses depois, uma bala perdida encontrava o seu caminho.
Ficaria por lá ainda mais uns meses, dois, altura em que tendo passado o meu lugar a um novo substituto seria colocado na cidade Sá da Bandeira, Huíla após independência, e seis meses depois passaria à disponibilidade, quase quatro anos depois de para lá ter entrado.
Repreendi a minha vida, fiz o que gostava de fazer antes da vida militar me ter cortado o impulso e joguei futebol antes de pensar em trabalhar. Até então trouxera sempre comigo em primeiro plano martelando-me o cérebro, a estranha revelação do desventurado rapaz, mas o futebol por um lado e a vida civil por outro, foram, aos poucos, dando lugar a outros interesses incomparavelmente mais congratulantes, como por exemplo: as miúdas que, pelo menos nos últimos três anos quase esquecera que tal espécie habitava o planeta, e a revelação/pedido do desditoso rapaz foi esmorecendo na proporção dos novos conhecimentos femininos que iam aumentando. E depois, …ia dizer a quem?
Futebol não deu em nada, o meu contrato com o Belenenses falhou um dia antes da assinatura do dito devido ao alto iluminismo do meu amigo que não arranjou melhor ocasião de comprovar se o macaco suportava efectivamente a carrinha e num arroubo de sublime brilhantismo, resolveu balançá-la comigo debaixo dela a reparar o escape, e depois de sair do hospital fui mesmo forçado a ter de trabalhar…à minha maneira, claro: isto é; por aqui e por ali nunca assentando arraiais demasiado tempo no mesmo lugar e sempre acompanhado de extrema perigosidade mortal para a minha integridade física, coisa de somenos importância e para à qual há muito deixara de passar cartão, mais concretamente para aí a partir dos meus cinco anos, altura em que o meu insólito destino se manifestara.
Mas como não são as minhas venturas nem desventuras que interessam para esta história, prossigamos e cinjamo-nos a ela.
Nessas deambulações, dei por mim no ocaso do indelével ano de 1968, na cidade do Huíge onde por Graça Divinal e assaz nunca merecedora, conheci uma encantadora menina que de entre a multidão me distinguiria com os seus mais belos sentimentos e dois meses depois era, e sempre seria, a minha adorada mulher até a Vontade Suprema me ter dito, 37 anos depois, que ela já não era minha.
“Meu amor, minha vida.
Amei-te quando te vi
E nos teus olhos
Eternamente me perdi”
E chegámos ao ano de 1972. Chegara ao meu conhecimento uma obra de grande importância que o CFB (Caminho de Ferro de Benguela) ia levar a cabo entre as cidades do Lobito e Cubal. Interessou-me assunto e depois de me aconselhar com minha mulher, assinei um contrato e mudamo-nos para a cidade do Lobito, cidade essa onde a empresa estava sedeada.
E foi logo na primeira noite do primeiro dia em que me apresentei ao serviço, que ouvi falar dela, da estranha e belíssima noiva de branco trajando, que entre as oito horas da noite e as zero horas de todas as Sextas-feiras do mês de Agosto, inalteravelmente aparecia na estrada que ligava as cidades de Lobito e Benguela.
Depois fui sabendo coisas sobre ela, verdades, meias verdades, probabilidades, enfim; toda essa amálgama costumeira de quem conta um conto aumenta um ponto, e o que verdadeiramente retive foi o drama terrível de uma mulher a quem a esfuziante beleza que infalivelmente deveria fadá-la à felicidade eterna, ter servido apenas como veiculo condutor à sua desgraça.
Para aqueles que seguem este blogue hoje, e nos dias que se seguem, terão uma surpresa. Um texto publicado que não é da minha autoria mas de alguém a quem a vida já ensinou umas belas histórias. E que aqui assinará como "Corvo". Já tive o prazer de ler dois dos seus livros e garanto-vos que vale a pena! É com muita honra que recebo estes textos no meu humilde espaço esperando que desfrutem tanto deles como eu,
Fotografia de uma capela feita pelo meu pai quando esteve no Ultramar
Esta sucinta narrativa não é uma novela, romance, embora a intenção seja romanesca. Também não se enquadrará na ficção, se bem que nela se deparem mitos e situações que lhe outorguem esse género. É apenas uma história de amor navegando ao ondular do meu privilegio de imaginação, enquanto autor, dando-lhe o meu cunho pessoal de uma maneira que espero seja agradável.
Veracidade, fantasia, credibilidade, imaginação: será sempre o que a vossa decisão de interpretação quiser que seja. Pelo meu lado, direi. Acredite se quiser.
Posto isto e apelando à vossa melhor paciência, passo então aos factos tal qual eles se desenrolaram e que intitularei.
“ A NOIVA.”
Numa tarde de Agosto do longínquo ano de 1964, encontrava-me no norte de Angola, na região Dos Dembos, província do Huíge, a combater na então denominada Guerra Ultramarina, (designação oficial portuguesa) ou Guerra de Libertação, como mais acertadamente à consideravam os independentistas africanos.
A minha contribuição para a guerra efectiva no terreno já fora largamente ultrapassada e aguardava a pessoa que me viria substituir, e ela chegou nessa Quinta-feira, por volta das três da tarde, e desde o primeiro instante que travei conhecimento com esse rapaz a minha empatia por ele foi instantânea. Era um rapaz alto, de porte atlético e simpatia visível à primeira palavra. Exibia na boca grande e de lábios grossos um franco e sincero sorriso, e os profundos olhos castanhos reflectiam uma pureza de alma dificilmente explicável. E, ainda mais estranhamente, a simpatia foi mútua como se uma normal afinidade desde sempre nos aproximasse.
Nesse ano de 1964, a zona do nosso aquartelamento, até há bem pouco tempo cenário de conflito particularmente sangrento, estava mais ou menos controlada e se bem que os combates se desenrolassem sanguinários e bárbaros por toda a região, nessa zona a tranquilidade fizera pausa e uma quase paz, imperava. As nossas acções de guerra limitavam-se a umas surtidas pelos povos circundantes a fim de controlar a situação, e num ou noutro caso a uns disparos para o meio do mato, com direito a retribuição, a fim de manter vivo o espírito da coisa. Nada de muito relevante, portanto.
No dia seguinte eu deveria fazer o que já tinha feito centenas de vezes: tomar o meu lugar ao lado do condutor auto do Unimog, e com um ou dois pelotões fazer umas explorações a alguns lugares que, ultimamente, pareciam andar a afastar-se dos prazeirosos hábitos de tranquilidade adquiridos. Deveria mas não fui. Foi ele em meu lugar e eu fiquei a arrumar os meus parcos pertences para embarcar na coluna militar que de véspera o trouxera a ele e nesta tarde me levaria a mim.
Estava nestas felizes cogitações, quando, quase logo a seguir à partida da patrulha, uma grande agitação se manifestou à porta de armas. Não deveria surpreender-me, tão banal acontecimento era frequente e praticamente já se tornara o pão nosso de cada dia, mas uma apoquentante preocupação me assaltou e dirigi-me para lá. A patrulha tinha sido atacada e o meu substituto morrera. Antes de se aclararem devidamente os factos, as viaturas entraram de rompante e soube o que acontecera. Não foi um ataque estudado, uma emboscada planeada, nada. Simplesmente alguém que se encontrava no mato e à passagem das viaturas decidira mandar um tiro para lá, que por uma dessas nefastas incongruências de que, por vezes, sem que se compreenda ou se saiba porquê o destino é tão fértil, o projéctil sem destino entrando pela janela da viatura e passando pela frente do condutor auto foi encontrar o peito do desventurado rapaz, que por malfadada sorte, nesse momento se inclinara para diante. Entrou pela esquerda do peito e destroçando-lhe os pulmões, saiu pelo direito.
Antes do pessoal de enfermagem chegar já eu me precipitara para ele. Acometido por profundos remorsos que nunca soube explicar e de olhos toldados, com todo o carinho e uma imensa pena tomei-lhe a cabeça nas minhas mãos. Quando me viu, os seus olhos irradiaram um estranho brilho e como a quem só essa derradeira vontade alentasse, a boca jorrando golfadas de sangue tentou falar, mas os sons eram ininteligíveis. Baixei o meu ouvido à boca ensanguentada e ouvi-lhe, num derradeiro esforço, a voz entrecortada pelo fluxo:
- Diz-lhe que sempre a amei. Deus! Levo-a no coração!
Afonso encontrava-se na sala de leitura quando um dos criados o informou que seu amigo Lúcio havia chegado.
Que raio anda esse tipo sempre cá a fazer? Como se não bastasse parece rondar Isabel!
Atirou com alguns papéis, em que trabalhava, com força em cima da escrivaninha bastante enervado. Sabia que não era o melhor dos maridos. Mas afinal teve que manter a promessa que fez a si mesmo que não lhe tocaria. Deixou-se consumir pela raiva de ter sido obrigado a casar com ela, mas a convivência com a sua doce esposa fez com que a visse sob outro olhar. Ela simplesmente não era nada arrogante como lhe parecia inicialmente. Apenas era uma mulher que gostava de se afirmar como pessoa, e nos tempos que vivam, tão injustos para elas, o seu esforço era digno de nota. Mas até o esforço era mal visto por uma sociedade essencialmente machista! E ele acabou por ser tudo aquilo que criticava. Julgou sem conhecer. Mas afinal, quem o podia censurar?
Ela era inteligente, sendo-lhe possível entabular uma conversa sobre diversos assuntos. E era bela! Oh! Muito bela! Uns olhos cor de mel. Algumas sardas, discretas, espalhadas sob seu rosto cândido e que lhe davam uma certa graça, cabelo castanho claro e uma pele divinal. O seu pequeno nariz arrebitado era a uma característica muito peculiar, e se em tempos o detestou, agora começava a duvidar que talvez já não viveria sem ele… Para não falar do seu doce odor. Mas passara demasiado tempo... Agora tinha que ir com calma e conquistá-la. Ultimamente parecia que ele lhe era indiferente e isso era a sua penitência!
Mas sempre que ele, Afonso, parecia finalmente estar a aproximar-se de Isabel eis que aparece o Lúcio para roubar todas as atenções para ele! Dizia-se amigo?
Arggh! Bolas para o Lúcio!
A verdade é que começava a desconfiar que algo mais existia entre eles do que a amizade… mas poderia ele censurar sua esposa?
Nunca lhe havia tocado! Na sua infinita teimosia! Muitas vezes queria deixar-se sucumbir pelo desejo mas lembrava-se que estava casado por obrigação e porque ela havia insistido! E esse pensamento tomava as rédeas. Neste momento já nem sabia o quê, ou quem, tinha as rédeas! Passara-se quase um ano! Tempo demais para deixar uma mulher como ela sem ser amada. E o certo é que ele nunca mais conseguira tocar em outra mulher! Devia estar tolo, ou doente, de certeza!
Levantou-se da cadeira e saiu da sala de leitura pronto para receber Lúcio, embora soubesse que sua mãe, como boa anfitriã, já o havia feito, mas queria ouvir qual o motivo apresentado por ele para justificar da sua vinda ali e perscrutar em seus olhos a verdade.
Chegou ao grande salão, recebeu-o um odor a fumo, a lareira já se encontrava acesa, pronta para receber a noite. Ninguém se encontrava lá! Nem sua mãe, nem Lúcio!
Saiu dali e num dos corredores encontrou Madelena, a governanta, que contava já com alguns anos de trabalho naquela casa, e não se cansava de lhe lembrar, sempre que julgava oportuno, que já havia andado com ele ao colo. Eram-lhe dadas certas liberdades de conduta, não só pelos anos de casa que tinha, mas também pelo seu elevado grau de responsabilidade.
- Madalena sabe onde está minha mãe e o meu amigo Lúcio que chegou há pouco?
- A Sr.ªDuquesa, Dª Margarida, recolheu-se um pouco antes de jantar. Provavelmente para vestir um agasalho, pois as noites esfriam e…
- Sim Madalena! E Lúcio? – Afonso demonstrava sinais de impaciência
- Se o menino me deixar continuar! Que assim está exaltado! Pensava-se que o casamento o sossegaria mas parece cada vez pior! – E obtendo um revirar de olhos impaciente por parte de Afonso continuou – O menino Lúcio foi até a estrebaria! Esta juventude está doida! A visita dá-se ao desfrute de sair da casa de quem o recebe para ir ver cavalos em vez de ver os donos destes!
Afonso saiu a chispar ódio encaminhando-se para a estrebaria. Sabia que àquela hora Isabel costumava ir lá tratar do seu cavalo! Ela tratava aquele animal com um desvelo impressionante!
Raios! Até um cavalo merece mais do que ele! Mas é hoje que eu os apanho!
No céu já se notava que o sol os abandonava mas deixava-os com um magnífico espetáculo de cores e o cântico orquestrado por alguns grilos. Mas nem isso amansou a alma conturbada de Afonso que entrou de rompante na estrebaria e viu Lúcio de costas a beijar Isabel! Como? O Infame?
Agarrou-o pelos ombros com violência e atirou-o ao chão bramindo,
- Canalha! Pulha! É isto que fazes à amizade que dizias ter por mim? Tornas-te amante de minha mulher?
Lúcio atordoado e sem perceber, inicialmente, o que o seu amigo gritava, levantou-se de imediato e tentava afastar-se de um Afonso certamente possuído por algo demoníaco!
- Afonso para! Estás doido! - Gritou a voz feminina agarrando-o pelo braço.
Mas aquela voz...
- Sofia!?!
- Quem é que esperavas que fosse? A Isabel!? - Sofia gracejou - Como tens coragem?! O que tu merecias é que fosse mesmo ela. - Ela sabia que havia prometido à sua amiga mencionar nada do que sabia a Afonso, mas isto era demais e ela não tinha sangue de barata!
Afonso virou-se para Sofia com ar de espanto e incredulidade - De que falas tu?
- Tu bem sabes do que falo! Não me faças envergonhar-te mais do que a vergonha a que já te submetes!
Foi um Afonso zonzo que se desculpou e saiu de ombros caídos dali. Lúcio foi ao seu encalço e encontrou-o cabisbaixo, encostado ao tronco de uma frondosa e velha árvore no caminho que dava até ao casarão.
- Como cheguei a este ponto? - falava rouco, numa voz carregada de tristeza
Lúcio, como bom amigo, escutou-o e deu-lhe uma palmada no ombro.
- Ó meu amigo pensavas que te traía? Com pudeste!? Nunca faria isso! Já há algum tempo que me apaixonei por Sofia, mas quis primeiro falar com meus pais para poder avançar com um pedido mais sério junto do Sr. Joaquim. Que, como bem sabes, tem mau feitio e guarda a filha como se ela fosse uma pedra preciosa. Que a bem dizer da verdade o é - disse sorrindo - Hoje vim até cá para marcar um jantar com ele e oficializar as minhas intenções. Mas quis falar com Sofia primeiro e como sei que a esta hora ela costuma estar por aqui vim dar-lhe a boa nova. Desculpa se não fui ao teu encontro primeiro. Sou um mau hóspede...
- Eu é que peço desculpa e lamento a minha atitude. - Afonso estava derrotado
- Mas afinal o que se passou? A que se referia Sofia? - Lúcio estava curioso
- Meu bom amigo tenho vergonha de falar-te. Peço que compreendas o meu silêncio - disse virando-se, finalmente, e olhando Lúcio nos olhos.
- Como queiras. Sabe que estou aqui para o que precisares. Ah! E já agora. Aceitas ser meu padrinho de casamento? - Lúcio sorria e pretendia aliviar a tensão do amigo. Intento esse que resultou num abraço, e num "Claro que sim!", de um Afonso cujos lábios sorriam através de um olhar sombrio.
Caminharam até ao casarão com Lúcio a falar de Sofia e um Afonso a pensar na Isabel. Na "sua" Isabel. Deixou Lúcio no salão com seu pai e foi novamente à sala de leitura, dando a desculpa de algo urgente para tratar, mas com a intenção de reflectir nas suas atitudes e ficar um pouco só.
Ficou cego de ciúmes e esses ciúmes significavam que amava Isabel. Como pudera não perceber isso e demonstrá-lo? Ela merecia-o. Fora egoísta ao pensar só no facto de ele ter sido obrigado a casar. Afinal fora ela quem fora arrancada à família e a tudo o que conhecia para cumprir um destino incerto. Ele não a honrara! Mas isso ia mudar! Esta noite tudo ia mudar....
Fim
PS - Espero que quem tenha seguido com paciência esta noveleta tenha gostado. Agradeço todos os comentários, e as preciosas sugestões, que me foram deixando. Um beijo aos meus queridos amigos que por aqui vão passando.
- Menina Isabel por favor coma mais alguma coisa! – Suplicava-lhe Mariana ao arrumar-lhe a bandeja do pequeno-almoço.
- Desculpe Mariana mas hoje não consigo mesmo engolir mais nada – E saiu para cavalgar, a única atividade que, de facto, lhe trazia alguma serenidade à alma atormentada.
- A menina ainda vai ficar doente! Ouça o que lhe digo! Já nem se lhe vêem as cores das faces!!!
Isabel já quase nem ouviu a última frase. E se ficasse doente pouco lhe importava. Afinal para quem iria fazer falta?
Estava casada há quase um ano e Afonso nunca lhe tocara! Tentara deixar que a camisa de noite mostrasse mais do que devia parecendo que fora inadvertido. Aplicou o seu charme feminino, como qualquer dama sabia tão bem fazer, sem surtir qualquer efeito… tudo sem obter qualquer reação! O seu marido parecia feito de gelo!
Porque a rejeitaria ele desta forma?
Ela sabia olhar-se ao espelho, não era feia! Mas afinal o que é que ela tinha, ou não tinha, que o impedia de se aproximar?
Fora do quarto a relação deles evoluíra agradavelmente. Falavam e discutiam, sobre diversos temas. Pôde constatar que afinal Afonso era um espírito livre, que respeitava a opinião feminina.
Será? Será que o seu marido não era dado a intimidades com damas?
Ou será que seriam outras as damas a desfrutar da sua intimidade?
Calar todas estas dúvidas e toda esta ansiedade motivava-lhe um grande nó no estômago! Como ia confessar a alguém que estava casada há tanto tempo e ainda era casta?
- Olá miúda! Acho que se escovares mais o teu cavalo ainda lhe cai o pêlo!
Ao virar a cabeça Isabel deu com a face de Sofia. A filha do Sr. Joaquim, o “dono da estrebaria”, como ele se auto denominava. Sofia era a melhor amiga de Isabel, tinham a mesma idade e fora Sofia quem lhe dera mais alento, com as doces brincadeiras infantis, aquando a sua vinda para um país diferente. Além disso, e vendo a amizade que as unia, Sr.ª D.ª Margarida, agora sua sogra, permitiu que Sofia tivesse a mesma instrução que Isabel, o que permitia às duas jovens ter muito em comum.
- Tens razão. Se calhar já chega… estava tão absorvida pelos pensamentos que nem percebi que já estava mais que bem escovado! Mas aqui o menino Érix parece que estava a gostar da massagem extra!
- Isabel – disse Sofia aproximando-se – o que se passa contigo?
Sem olhar para a amiga Isabel ia conduzindo Érix para o local que lhe estava destinado.
- Que se passa como?
- Não te faças desentendida! Sei que se passa algo! Conheço-te melhor que ninguém. E se queres que te diga nem seria preciso isso! Basta estar com o mínimo atenção ao olhar para ti! Estás mais magra, com ar abatido e até parece que as cores de estão a fugir das faces!
Isabel sorriu. Encontrava-se já ao lado de Sofia. – Ainda hoje a Mariana me disse isso, das cores das faces, ao pequeno-almoço!...
Sofia cortou logo – Claro! Nota-se à distância! – e como que adivinhando – O problema é o Afonso? Mas parece que até são amigos ao contrário do que se fazia prever.
Isabel suspirou. Estava cansada…
- Sim. Somos apenas amigos. – Deu uma ênfase propositada ao “apenas”
- Huh! O que queres tu dizer com isso?!
- Esquece Sofia! Tens razão, não devo estar bem!
- Não, não e não! Fazes o favor de me dizer! Só quero o teu bem. Já há muito tempo que arranjo coragem para te falar nisto, pois não me queria intrometer na tua vida intima mas agora deixaste-me com a pulga atrás da orelha!
Isabel voltou a suspirar. Talvez fosse bom desabafar.
- Está bem.Ganhaste. Mas, por favor, vamos até tua casa que a esta hora não corremos o risco de ser interrompidas. É que tenho medo dos ouvidos que as paredes do casarão possam ter.
- Medo? Bem… agora estou preocupada.
Apressaram o passo. Já sentadas a beber uma caneca de chá quente que Sofia fizera, esta insistiu.
- Conta Isabel. Precisas colocar para fora o teu medo.
Isabel encheu os pulmões de ar, como de isso renovasse a coragem que entretanto lhe falhara.
- Sabes… bem… eu e Afonso...nunca tivemos nenhuma intimidade na cama…
Sofia olhava estupefacta para a amiga como se não tivesse percebido, ou ouvido, bem.
- Não tiveram intimidade? Quer dizer que nunca…?
- Não… - enrubescendo e baixando o olhar, Isabel responde.
- Não percebo! Mas afinal que se passa com esse doido do Afonso!? Esse rapaz só pode ser louco! Eu logo vi que isto não ia dar certo depois daquela cena na Igreja! Mas isto? Quem esperava por isto! Que é que ele quer? Teve uma bela mulher oferecida de bandeja! E agora? Será que quer que lhe esfregue na cara que ele é um burro Eunuco?! E se porventura tem outra mulher só merece ficar! – Sofia estava furiosa e no seu ímpeto, que lhe era habitual, bradava o que lhe ia no pensamento. Parou de o fazer assim que viu que Isabel chorava copiosamente, e abraçando-a, afiançou.
- Tem calma Isabel. Eu ajudo-te a resolver isto! Ele não pode fazer de ti gato-sapato! Nem desprezar-te! Não sabe o que o espera!
Isabel não fazia ideia ao que a amiga se referia mas pelo menos desabafou.
Continua…
(brincadeirinha! Continuo aqui abaixo)
Dois dias se seguiram a esta conversa de amigas, e hoje, ainda mal o sol se levantara, já Isabel estava no estábulo montada em Érix e aguardava que Sofia a levasse para um destino misterioso que, segundo ela, a ajudaria.
Afonso ainda dormia quando deixara os aposentos que dividiam.
- Vamos Isabel – Surgiu Sofia montada numa meiga égua, tomando a dianteira para que esta a seguisse.
Já a manhã ia a meio pararam um pouco para descansarem e os cavalos tomarem algum fôlego.
- Para onde vamos? – Inquiria Isabel cada vez mais curiosa.
- Vamos a uma aldeia, agora não muito longe daqui, que tem uma mulher que pratica… hummm… alguns encantamentos e mezinhas.
- Estás maluca!? Vais levar-me a uma feiticeira?! Eu não preciso de bruxarias! Só preciso que Afonso me deseje como mulher! – Isabel já se começava a arrepender de ter confiado em Sofia
- Sossega. Não é uma bruxa. É apenas alguém que tem mais conhecimentos, e que sabe o que fazer com algumas plantas. Não te apoquentes que vai tudo correr bem. Se estás preocupada que te reconheçam colocas o capuz da capa que ninguém te descobre! Além disso, que tens a perder? Mal não faz! Não mais mal do que o burro do Afonsinho te está a fazer – Disse com desdém estas últimas palavras.
Isabel encolheu os ombros. A verdade é que já estava por tudo. Já ouvira tantas histórias sobre estas mulheres que entendiam que artes misteriosas, e que muitos achavam que foram a solução de vários males. No seu caso, revelava-se um desespero da causa.
Chegavam ao bairro judeu onde habitava a tal mulher, que dava pelo nome Mohan. A casa, caiada de branco, onde habitava ficava no cimo de uma colina e estava rodeada de plantas, algumas de aspeto exótico. Desceram dos cavalos e bateram à porta. Surgiu então uma senhora septuagenária tão agradável quanto amável. Muito baixa, olhos verde água, que com umas mãos muito enrugadas endireitava o lenço que lhe cobria os cabelos cinzentos. Convidou-as a entrar numa cozinha de limpa, solarenga, onde crepitava um fogo convidativo na lareira rodeada de potes de cozinha de vários tamanhos. Um odor doce e agradável as rodeava.
- Posso oferecer-vos algo para beber minhas meninas jovens e lindas, enquanto me dizem a que vieram? - Dizia-lhes ao mesmo tempo que as conduzia para um banco junto à lareira.
Enquanto sorviam a bebericagem, quente e suave, Sofia contava o motivo pelo qual se encontravam ali. Isabel permanecia muda, apenas assentia ao que era descrito.
- Pois bem. Acho que já percebi tudo. E penso ter o que necessitam. Volto já, fiquem à vontade.
Sofia deu uma cotovelada numa Isabel ansiosa e retorquiu.
- Vês minha tola! Experimentas o que ela disser e logo vês.
Mohan depressa reapareceu trazendo um pequeno frasco em mãos.
- Aqui têm. Basta que misturem isto com algo que o seu marido costume beber antes de se deitar e resultará. Ele a verá com outro olhar. Tornar-se-á certamente um homem cheio de viço para consigo! Seja o que for que se passa desaparecerá.
Isabel acautelou o frasco e o importante líquido que continha e seguiram, quase, em silêncio de volta a casa.
À despedida Sofia relembrou o que deveria ser feito, e atentou para que Isabel prometesse que cumpria sem receios os propósitos daquela pequena viagem.
Ao final da tarde puderam contar com a visita de Lúcio, que nos últimos tempos surgia com regularidade, embora parecesse que a relação entre ele e Afonso já tivera melhores dias. Ultimamente não era raro apanha-los em discussão acalorada por "dá cá aquela palha". Após ter deliciado todos com uma pequena interpretação ao piano, e a um breve jogo de cartas, Isabel, dando a desculpa de sentir cansada e querer acabar uma leitura que necessitava de mais concentração, recolheu-se para a sua sala de estar particular sendo seguida, para sua surpresa, por Afonso.
Pensando bem era a oportunidade perfeita! A caminho do aposento Isabel perguntou a Afonso se desejava que pedisse a Mariana para fazer-lhes um chá, talvez assim até dormissem melhor.
Afonso assentiu.
Isabel retirou de seu colo o pequeno frasco que apertou entre os dedos.
-É agora! – Pensou
E verteu o líquido na chávena destinada ao marido. Ela própria insistiu em levar o tabuleiro, o que não era uma atitude estranha da sua parte pois não era nada dada a elitismos, e não era a primeira vez que executava simples tarefa.
Afonso encontrava-se sentado num cadeirão a ler um livro quando Isabel entrou, pousou o tabuleiro e se dirigiu a Afonso com o líquido quente nas mãos.
- Obrigada Isabel - Sorriu-lhe de volta – Até me estava mesmo a apetecer um chá! Principalmente depois de falares nele! – Afonso olhou-a intensamente, como nunca o fez, o que lhe causou um arrepio.
Trémula, pelo efeito daquele olhar, dirigiu-se ao quarto de vestir com a sua chávena dizendo que iria trocar de roupa e seguiria para o quarto. Com um ligeiro aceno de cabeça, e a chávena e pires nas mãos, sem ainda terem tocado os seus lábios, Afonso laçou-lhe um novo olhar. Quente. Intenso. Como se a despisse ele próprio sem que ela precisasse de sair dali!
Mas afinal que se passa com ele? Será que aquilo era tão potente que só o odor o afetara?
Não. Mohan tinha dito que precisava de ser bebido!
Nesse mesmo instante Isabel sentiu Afonso imediatamente atrás de si. Ela ia falar-lhe mas ele deteve-a com um beijo ardente que lhe fez doer o fundo do ventre. Olharam-se, breve e intensamente, e voltaram a beijar-se demorada e sofregamente. Como se a vida deles dependesse daquele beijo! Isabel sentia que Afonso lhe desabotoava o vestido e num nada estava em combinação à sua frente, ajudando-o também a ele a despojar-se das suas vestes. Sentiu-lhe a língua quente, húmida, a tremer desejo, percorrer-lhe a pele do pescoço a descer-lhe pelo colo e a demorar-se em seus seios, percorrendo-os, levando-a a um deleite que julgava não existir! Deixou que a despisse assim… sendo beijada e molhada pela sua língua atrevida e trémula.
Ele deslocara-se para trás dela e sentou-a em seu colo enquanto ele próprio se sentava numa chaise do quarto de vestir. Afagava-lhe os bicos do peito com uma mão levando a emitir sons de puro prazer, enquanto levava outra mão até lá, onde algo parecia ter estado preso e quereria agora soltar-se em todo o seu fervor.
Finalmente sentiam-se um só, num puro êxtase! Num puro prazer. Parecia que o mundo rodopiava e terminara para voltar a surgir mais colorido. Após se terem acalmado, Afonso embrulhara-a num roupão e levara-a ao colo para o quarto. Para, no leito, voltarem a repetir a união orgástica.
Já ia alta a noite quando Isabel, meia dorida, se levantava acometida de uma sede intensa. Deslocara-se até à sala de estar, contígua ao quarto, com a finalidade de encontrar algo que lhe saciasse a boca seca. Quando, com espanto, pôde verificar que a chávena de chá que tinha levado, horas antes, a Afonso, com o líquido que ela julgara ser o causador do delito das cenas de paixão que acabara de viver, se encontrava intacto!
- Mas então se não fora o líquido mágico…? Fora ela!?! E só ela que o levara a ser tão arrebatador na demonstração do seu desejo! – Pensava Isabel sorrindo, e esquecendo-se da sede acordando Afonso com um beijo libidinoso, muito longe de ser a jovem virginal que fora até hoje.
Interrompo a continuação da minha noveleta para falar de outra noveleta. O filme do momento sobre o livro sensação "As 50 Sombras de Grey". Ok... já sei, estão fartos de ouvir, ler e até falar sobre o assunto. A mim também me parece um exagero tanto que se disseca e discorre sobre um assunto que nada tem para discorrer nem dissecar.
A minha opinião quanto à história mantém-se. Uma simples historieta contada por alguém sem experiência de escrita e que teve um sucesso brutal com uma ideia que ainda vende. Sexo versus tabu.
Ao contrário do que tanto se fala sempre me pareceu que é a Anastácia, a "heroína", que mantém o controle sobre Cristian, e vai conseguindo lentamente fazê-lo. Conclui-se mais tarde que ela até gosta de umas palmadas e ele só lhe toca com a sua permissão. Onde está aqui a violência contra a mulher?
Malta, há quem se excite em dar palmadas e há quem se excite por levá-las!! O que se passa na intimidade sexual de cada um, e se tal for consensual, como é o caso, é lá com eles. Portanto parem lá, de extrapolar o que nada tem de suminho que valha a pena.
Quanto ao filme. Não ia com nenhumas expectativas. A minha opinião é que deveria ter sido dada liberdade para se adaptar a história do livro para filme e não realizar uma cópia deste para a tela. Talvez se assim fosse o espectador pudesse ter saído a ganhar. Uma vez que, a meu ver, isso retirou a parte do poder de interpretação dos atores. Em alguns momentos, bastantes para o meu gosto, nota-se que estão a representar e não a interpretar. Não sei se me faço entender? Ou seja, os diálogos, e principalmente esses, não saem com naturalidade. Curiosamente as cenas de sexo foram extremamente bem conseguidas! E aí há mais naturalidade.
A actriz, Dakota Johnson, está melhor na representação. Para Dornan é notória a sua dificuldade em ser o Sr. Grey. Apesar de ser extremamente agradável vê-lo em grande plano. Nesta fase não o trocaria por outro “Grey”. Há a esperança de à segunda lhe sair melhor, e acho que vale a pena a espera e a tentativa. A banda sonora também dá uma graça ao decorrer da acção e, claro, os móveis de origem portuguesa também fizeram boa figura.
Agora permitam-me falar sobre algo interessante. A idade aconselhada para a visualização da película. Dezasseis anos.
Acho curioso que, por exemplo, um filme muito falado pela ridícula aparição de Irina (ex de Ronaldo), “Hércules”, tenha a classificação de maiores de 12 anos, quando achei que existem demasiadas cabeças decepadas e violência gratuita. O que me leva a pensar que a violência é algo que a nossa sociedade vê de forma mais natural que o sexo. Não. Não estou a dizer que as 50 Sombras possa ser classificado para maiores de 12, o que estou a dizer é que acho que há muito filme por aí cheio de violência que deveria ser para maiores de 16!
E pronto. Um filme que nada tem que se lhe diga para que se verta tanta, mas tanta, tinta sobre ele. Há por aí coisinha bem pior, e que sai para o grande ecrã, sem tanto escândalo à volta!
Agora digam-me, alguém estava à espera de uma grande obra da sétima arte com nomeações para Óscar?
Chegara o dia do seu casamento, o propósito da sua ida para Espanha quando tinha 10 anos. Obrigaram-na a realizar um papel que não pedira, o de noiva de um rapazola mais velho que ela. Embora a diferença de idades agora não seja notória, na época era algo assustadora!
Felizmente nutria pelos pais de Afonso, e agora também seus, um verdadeiro amor que fora, naturalmente, crescendo ao longo dos tempos. A relação que mantinha com eles, e apesar de pertencerem à alta nobreza espanhola, era forte e carinhosa. Algo que nunca tivera, ou sentira, com os pais que deixara há anos para trás, que eram pessoas mais rígidas e extremamente conservadoras. Vira-os hoje, no dia do seu casamento, tratara-os com simples cortesia. Talvez ainda não lhes tivesse perdoado o facto de a terem enviado para longe com tão tenra idade. Tivera, no entanto, sorte mas sabia bem que poderia não ter sido assim.
Obrigara-se a desenvolver uma maturidade fora do vulgar para uma mulher, ou pelo menos para o que se esperava delas. Fez por se instruir, por aprender cada vez mais, e até por executar algumas ocupações mais destinadas a cavalheiros. Por exemplo, não era de todo vulgar ver-se uma jovem dama dedicada a aprender a arte da esgrima, ela própria não conhecia ninguém! Mas seus novos pais eram condescendes para consigo e possuíam um discernimento fora do comum.
Apesar de o passado ter ficado para trás isso ainda a magoava, fizera então de um tudo para se fortalecer, quer a sua mente, quer a sua parte física. Nessa parte da sua vida ela podia exercer algum domínio e fora-lhe dada liberdade para isso.
Chegara aos 18 anos e começara a perceber que Afonso não fazia intenções de regressar. Não podia ser eternamente a noiva de uma pessoa cujo rosto já mal se lembrava! Se a fizeram ir até ali para se casar pois então que houvesse um casamento! A maioria das jovens da sua idade, e que pertenciam à alta sociedade, já se encontravam casadas. E os comentários começavam a florescer por entre alguns círculos de conhecidos, já ouvira um ou outro menos agradável, não que lho dissessem directamente, mas existia sempre alguém que se auto intitulava de "muito amigo" que não se rogava de lhe entregar a mensagem.
Dizia-se sobretudo que Afonso não a queria porque ela sabia demais para ele. Ou que sabia domar cavalos mas os homens não eram para ela. Enfim... mentes sujas sob uma capa polida por um sorriso hipócrita!
E estava agora, no quarto de vestir, sozinha. Mariana, a criada de quarto, que considerava uma amiga, já se tinha recolhido, e ela adiava a entrada na divisão que dividiria com Afonso, seu, agora, marido. Esfregando uma mão na outra, e tentando, inutilmente, afastar o nervosismo, começava a duvidar se fora boa ideia insistir no cumprimento do estabelecido. Um casamento arranjado pela conveniência de duas famílias da alta sociedade!
Não sabia há quanto tempo se encontrava assim, à espera. À espera sem saber bem do quê! Talvez de coragem para enfrentar a sua primeira noite com um homem com quem mal trocara meia dúzia de palavras quase arrancadas a ferros! Afonso que tinha todo um jeito de não ser nada dado a romantismos. Começava a desconfiar que ele a odiava! E aquela maldita cena na Igreja dera força a essa ideia.
Decidiu enfim transpor a porta que separava a divisão em que se encontrava daquela para a qual teria que se entregar. Rodou a maçaneta o mais lentamente que pôde tentando não fazer nenhum ruído. Penetrou na penumbra do seu futuro quarto, o luar entrava tímido pelas vidraças das grandes janelas. Existia um silêncio perturbador. Percorreu com inquietação o caminho até ao leito nupcial já com a sua roupa afastada convidando ao descanso, ou a algo mais... Exalou alívio ao constatar que Afonso não se encontrava lá. Estava só.
Deitou-se, um breve arrepio a percorreu ao contactar com os lençóis frescos. Já ia longa a noite, sentiu-o entrar na divisão, seus passos graves a aproximarem-se do local onde ela se encontrava. A cama queixou-se sob o peso do corpo que a transpunha. Ele estendeu-se sem lhe tocar, apesar disso sentia o calor de seu corpo. Queria que o acto de respirar soasse regular mas a sua sensação é que tinha parado de inalar o ar que necessitava! Mas Afonso deixou-se ficar assim. Longe se si sem lhe tocar até que amanheceu...
Isabel pouco dormira e quando conseguia deixar-se enlevar pelo sono voltava a acordar ao mínimo ruído, mas já ia alto o sol quando foi acordada por um leve bater na porta. Pestanejou e olhou instintivamente para o lado constatando que estava novamente só.
- Entre por favor.
A porta entreabriu-se com hesitação e surgiu a cabeça de Mariana.
- Bom dia menina dorminhoca! Posso entrar?
Isabel sorriu aliviada por ver uma cara amiga. E deixou-se finalmente descontrair pela conversa corriqueira e pela rotina diária.
Nesse dia Afonso estava bem disposto e trocara com ela mais palavras do que o costume! Isabel começava a pensar que afinal tinha tirado conclusões precipitadas a seu respeito. Ele era divertido, amigo e simpático. Via que era muito carinhoso com a mãe. Apenas não o era consigo mesma. Mas talvez fosse exigir demais logo à partida que ele fosse tudo isso com ela! Mas agora que estavam casados a cumplicidade surgiria certamente.
Entretanto, mais depressa do que julgava, caiu a escuridão. E com ela todo o ritual da noite anterior e ele voltou a não lhe tocar! Nem nessa altura, nem nos dias e noites que se seguiram...
Sentia-se mortificada pelo peso da rejeição. E calava-a. Mais uma vez sentiu-se só...
Passaram-se quase 6 meses desde que regressara, tentava ao máximo não se cruzar com Isabel, apesar disso, notara-lhe algumas características interessantes. Sabia montar melhor que muitos homens que conhecia e dominava aquele belo garanhão na perfeição! Além disso, cuidava pessoalmente dele. E não poderia ser de outra maneira, já que o animal era pouco sociável, mas nutria por ela uma verdadeira adoração. Quando cavalgavam pareciam um só! Falava também fluentemente o inglês e desembaraçava-se com o francês. Gostava de pintar, embora nada saísse dali que valesse a pena ser exposto. A lia imenso, passava horas na biblioteca da família.
Lúcio e ela tinham estabelecido uma relação de amizade, o que o aborrecia deveras. E estava cansado de ouvir o amigo enumerar as “qualidades” de Isabel. E não fora o facto dele ser seu padrinho de casamento já lhe teria sugerido o caminho de saída.
Pensava porventura que se tratava de uma mulher perfeita? Isso não existia! E se ele a achava perfeita que se casasse com ela. Ahh! Pois. Era ele o seu noivo! Raios para as promessas de família!
Até a mãe ela lhe tinha “roubado”!
Margarida, beirava os 60 anos tinha tido várias gravidezes, tendo só 4 chegado a bom termo, uma que lhe deu origem, a ele, e as outras resultaram em bebés que faleceram pouco tempo depois, tendo sido 3 delas meninas. Isabel, era pois, a filha que sua mãe nunca tinha podido abraçar. A relação entre elas era carinhosa, de pura amizade e cumplicidade. E assim conseguiam também obter de seu pai, algo torrão, tudo o que pretendiam. Margarida era a mãe que Isabel fora obrigada a deixar para trás.
O único passatempo que possuía e onde podia descarregar toda a sua fúria, muitas vezes para cima de pobre Lúcio, eram as lições de esgrima.
Mas até isso Isabel fazia na perfeição! Vira-a muitas vezes de florete em punho a massacrar o seu instrutor.
Ela irritava-o profundamente e o pior é que não encontrava nenhuma razão plausível para isso. A pirallha sardenta e mimada tinha dado origem a uma mulher obstinada muito fora do seu tempo, da época em que viviam. Em que não davam o valor que elas mereciam. Ele já tinha discursado acaloradamente sobre o tema, reiterando a ideia que as mulheres deviam ser olhadas de outra forma pela sociedade. Claro que o tema caía pouco depois nas graçolas e palhaçadas por parte dos amigos e até professores, nada que ele já não estivesse habituado, mas que mesmo assim não o demoviam de falar sobre o assunto sempre que lhe aprouvesse. Mas esta Isabel era demais!
Seu pai deixou escapar entre conversas que fora ela que lhe fizera um ultimato em relação à realização do casamento!! Ou ele, Afonso, regressava e cumpria com a palavra dada a seus pais ou ela, Isabel, iria ser obrigada a voltar para Portugal e romper com anos de amizade e até de negócios conjuntos. Nada a calhar. Sobretudo para a dita honra da família que o seu pai enchia o peito para falar. Dane-se a Isabel!
E com esta raiva que lhe crescia no peito Afonso era ajudado pelo seu criado de quarto a vestir-se, a arranjar-se, para o dia do seu casamento. Como fugir disto?
Parecia não existir fuga possível. Mas ela que não pensasse que ele se vendia! Que se deixava corromper pelos seus inúmeros encantos. Nunca!
E com essas palavras desceu a escadaria para cumprir o seu papel de noivo.
Compelindo-se até ao altar, ao lado de seu pai e sua mãe, ainda lhe ecoavam os mesmos pensamentos mesmo enquanto ela, resplandecente como nunca, arrancando a lágrima fácil das damas presentes e sorriso complacente dos cavalheiros, se ufanava pela nave da Igreja.
Ouviu-lhe as palavras da praxe enquanto a aliança lhe era impelida pelo seu dedo acima,
– Sim, prometo ser-te fiel,… - e sabia que era a sua vez de representar o mesmo papel mas simplesmente não era capaz! E deixou-se ficar assim. A aliança pequena presa entre o seu indicador e polegar sem se mexer, sem cumprir o seu caminho.
Isabel olhava-o num misto de medo e vergonha. A cor a fugir-lhe das faces. Um burburinho começava a ecoar pela Igreja e Afonso estava quedo.
Sentiu a seu lado uma pressão no cotovelo. A voz do seu pai vociferada em seu ouvido.
- Que estás à espera? Não me obrigues…
Afonso libertou-se do toque paterno, indesejado, e continuou com o espetáculo. Sim. Um teatro em que ele era o protagonista e tinha, por sinal, que ser um excelente ator.
Mas depois de descerem os panos. Nos bastidores, aí a conversa seria outra….
Passaram oito anos desde que Afonso estivera ausente. Oito anos! O tempo passa mais rápido do que aquilo que pensamos... Contava já com 26 anos e estava de volta a Espanha! E isso se devia às cartas, cada vez mais frequentes, que o pai lhe enviava a pedir, ou melhor, a exigir, o seu regresso para cumprir com o prometido. Na última missiva, dissera-lhe que ou ele regressava para o jantar de noivado com Isabel, já marcado para o início do próximo mês, ou ele iria buscá-lo pessoalmente!
Nada pois havia a fazer senão regressar. Tinha cumprido o plano de estudos estabelecido há já alguns anos e ficara a adiar o inevitável, sempre com a desculpa que estava a realizar contactos importantes para os negócios da família. Se bem que em parte isso fosse verdade, a principal razão era a sua fuga a um casamento arranjado!
Mas não iria só. Em sua companhia trazia um grande amigo que fizera na sua estadia por Madrid. Um companheiro das noites de folia. Sendo o amigo mais dado à vida boémia que o próprio Afonso, que lá teve as sua estorietas com jovens moçoilas mas nenhuma lhe resgatou o coração. Ainda bem. Senão tornaria a sua vida bem mais complicada.
Percorriam já a a orla de terrenos que pertenciam à sua família, depois de dias cansativos de viagem, quando uma forte cotovelada do amigo o tirou do dormitar induzido pelo chocalhar da carruagem.
- Olha que belo cavalo! E a cavaleira não parece menos bela!
-Pfft! - atirou Afonso - Como é que sabes se a cavaleira é bela?! Está de costas! Só lhe vês o cabelo. Já o cavalo, parece, sim senhor, belo. E sorte a minha deve ser um dos nossos, já que está nos terrenos que pertencem a meu pai. Mas uma mulher a cavalo!? Não era costume ver-se disto por cá antes de eu partir!
- Só de ti para ligares mais ao cavalo do que à cavaleira - atirou zombateiro o amigo - mas espera aí! Será a "tua" fedelha? - Chutou o amigo. Tratavam-na assim sempre que era necessário referirem-se a ela.
Afonso não respondeu. Será? Por esta altura ela devia ter 18 anos, uma boa idade para montar a cavalo. Mas o pai deixaria que ela andasse assim, naqueles preparos, cabelo solto e em corrida com o que lhe parecia um excelente garanhão! Não... não podia ser a Isabel. Talvez a filha de Joaquim, o responsável pela estrebaria e de por todos os cavalos que possuíam, e certamente mais habituada às lides com estes animais.
Passadas um bom par de horas encontraram-se finalmente no salão de estar de seus pais, após um breve descanso e um bom banho.
Lá fora, Afonso, pode ainda ver o garanhão a ser levado para a estrebaria, cansado, possante e de pêlo brilhante e bem tratado. Um belo animal como supunha. Mas para estar ali só podia mesmo ter sido "ela", a fedelha, a montá-lo. Como é que ela tinha pulso para um animal daqueles?
Conversavam com o pai sobre as suas peripécias enquanto a mãe pegava em sua mão. Sua mãe, Catarina, uma doce mulher mas de um forte carácter que conseguia do pai quase tudo o que cismasse, era uma excelente mãe. Deixara-lhe um grande vazio a sua ausência na vida dele. Agora regressado, a proximidade física ajudava a apaziguar as saudades sentidas.
Entretanto ouvem-se passos fortes, e ela entra no salão. Lúcio, seu amigo, levantou-se de uma assentada assim que percebeu que uma mulher entrara na sala. Seu pai também já se encontrava de pé e o próprio Afonso levantou-se, lentamente, não tinha pressa, nem vontade, nenhuma de a encarar.
Isabel usava um vestido de cores suaves, que deixava à vista um belo colo, poucos adornos, apenas uns brincos, cabelo claro e solto com ligeira ondulação. Uma pele aveludada belos contornos físicos. Era sem dúvida uma bela mulher! Mas não eram os seus dotes físicos que chamavam a atenção mas sim a sua presença forte. Algo nada previsível para uma mulher! A única característica que mantinha, e que Afonso se lembrava, era o nariz pequeno e ligeiramente arrebitado, e que até lhe dava harmonia à sua bela face.
Aproximou-se deles sem qualquer perplexidade. Olhar decidido. Olhos de um castanho vivo, e que faziam prever estar-se na presença de alguém com agudeza mental. Cumprimentou-os. Disse algumas palavras a Afonso, que ele reagiu com a indiferença que pode. De seguida perguntou ao pai, tratanto-o com carinho e por "pai", como se fosse essa a sua condição.
- Pai tens preferência por alguma melodia?
- Não minha querida hoje escolhe tu.
Sentou-se ao piano e tocou...seus dedos ágeis deslizando pelas teclas entorpecendo a mente de quem assistia.
O amigo entretanto chegara-se a ele e sussurrava-lhe ao ouvido,