A viagem
Olhava pela janela, o único lugar onde os seus olhos podiam vaguear sem sentir que estava prisioneira. Porquê? Porque é que seus pais lhe tinham feito isto? Que fizera ela de errado para que a mandassem embora?
Sua mãe tinha-lhe explicado com a voz estranha, como quando ela tentava falar e o que lhe apetecia era chorar. E lembrar-se dessa voz da mãe deixava-a ainda mais confusa…
- Minha querida Isabel seu pai acha-a muito importante! E a menina é o nosso maior valor. Não se esqueça do seu poder! Não se esqueça de que é nossa filha e honre-nos.
Abraçou-a de seguida, e Isabel sentiu o seu pescoço a humedecer com as lágrimas da mãe.
Seu pai teve uma despedida fria, tal como a distância que sempre os separou. Os irmãos quase nem os viu, mantiveram as suas rotinas e as aulas dadas pelos professores que o pai tinha contratado. A única que estava inconsolável era a sua “ Tê”, a ama que sempre cuidara dela, e que pedia que a levassem também. Mas disseram-lhe que não podia ir, já existia alguém à sua espera para se responsabilizar pela sua educação. Despedir-se dela foi o que mais lhe custara até hoje! E a partir daí começou a sentir aquele peso na barriga, parecia que algo andava às voltas dentro dela a querer sair sem poder.
Tudo por culpa “dele”!
E “ele” estava sentado à sua frente a olhá-la com desprezo. Não gostava dela?
Pois que lhe importava! Ela também não queria nada com ele. Sempre que o seu olhar cruzava com aquela cara de barba rala dá-va-lhe vontade de lhe colocar a língua de fora em sinal de desprezo! E tê-lo-ia feito não fora ter prometido à Tê que não o voltaria a mostrar essa "falta de educação"! Tal como ela lhe chamara, desde a última vez que isso lhe trouxe um grande ralhete por parte de sua mãe, na altura em que tiveram por visita uma prima com a mania que tudo tinha que ser dela.
Mas porque é que o pai fizera isso?
Disse-lhe que ele seria o seu marido? Que tinha selado um compromisso, e que estes são para respeitar!
Queria lá saber de marido e de compromissos selados! Ela queria era saber da sua boneca! Pelo menos isso o pai não lhe tirara!
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Afonso acompanhara os pais, pois respeitava, tinha que respeitar, as decisões que eram tomadas pelo patriarca como bom, e obediente filho, mas ter que olhar para aquela pirralha de 10 anos, sentada à sua frente, de olhos esbugalhados e ar de gazela assustada tiravam-no do sério!
Ia casar com aquilo!? Como esperava seu pai que fosse casar com aquela amostra de gente abraçada a uma boneca como se só aquilo existisse no mundo!?
Cheia de sardas, tranças meias desfeitas, nariz pequeno e arrebitado, magra de dar dó! Irra! Iria de certeza ser feia de fugir! Pelo menos a casa de Madame Bounivier existia para lhe dar consolo nas horas menos boas.
Restava-lhe a esperança da viagem prometida! Iria frequentar estudos na Universidade em Madrid e tinha o desejo secreto de seguir para Inglaterra. Durante uns anos estaria longe do empecilho que acabara de entrar na sua vida! E até isso fora seu pai a decidir! Com a sua característica bonomia, não se fazia supor um homem que se sabia impor! E mesmo que as escolhas inicialmente lhe parecessem as piores ele sabia muito bem como lhe dourar a pílula! Até nisso!
Ohhh! Só agora passaram a fronteira e já estavam em terreno Espanhol. Finalmente! Teriam que pernoitar numa estalagem onde já os esperavam e aí teria oportunidade de dar-se à liberdade de não ter por companhia a pirralha sua noiva!
…
Continua….
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