Comodismo & pensamento critico
Alguém das minhas relações familiares contou-me um diálogo interessante que teve com os seus alunos. É com a sua autorização que publico o teor desse diálogo agradecendo o facto de poder partilhar com outros algo que considero importante para análise.
O professor em questão dá aulas no Ensino Superior, e isso é uma questão importante a ter em conta. Sendo uma pessoa bem humorada e que tenta incutir aos seus alunos um certo espírito crítico e uma certa capacidade interventiva, resolveu numa aula fazer o seguinte;
- Meus caros, arrumem as coisas de cima da mesa que vamos ter o mini teste tal como combinado.
E importa para aqui saber que não tinha sido combinado absolutamente nenhum mini-teste! O professor assistiu primeiro ao sorriso dos alunos, a pensar que era uma brincadeira, mas estes, após observarem a seriedade da face do docente, resolveram fazer o que lhes fora dito.
Depois de tudo arrumado o docente não resistiu ao comentário.
- Mas será que ninguém reage? Ninguém argumenta?
Ouve-se uma voz
- Oh. Adianta bem!
Continuando a insistir em algum argumento mais consistente.
- Já tentaram? Será que combinamos mesmo algo?
Outra aluna
- Hummm... eu bem me parecia que não tínhamos combinado nada. Mas o professor é que sabe.
- Mas não há ninguém que me tente convencer argumentando?
Pois! Se pensarmos bem talvez seja por isso que o país está assim! Não há reacção! Não existe capacidade argumentativa. Parece só existir o façam e faz-se sem reagir!
E atenção aqui fala-se numa reacção com poder de dissuasão, com coerência e com lógica. Obviamente não é um refilar por refilar. Se pensarmos bem o ensino é todo ele muito mecanicista. O professor diz, os alunos fazem! Aumenta-se os testes escritos até à exaustão e suprime-se a parte da experiência, da demonstração de conhecimentos argumentando, falando, contrapondo e discutindo!
Com 30 alunos por turma o ensino está a suprimir cada vez mais a parte em que se fornecem instrumentos aos alunos para que estes possuam um certo espírito crítico, uma capacidade argumentativa e um poder de oratória.
E indo ao fundo da questão talvez por aqui ainda existam os frutos de 40 anos de ditadura. O professor ordena e os alunos devem obedecer sem argumentar. Assiste-se também à outra face da moeda. O professor ordena e os alunos não fazem refilando e sendo mal educados! Reagindo negativamente porque não têm capacidade de pensar! Porque reagem mal à autoridade e à obrigatoriedade. Alguém já parou para pensar, e se o ensino fosse diferente, será que esses mesmos alunos reagiriam assim?
Tentamos em casa dar poder argumentativo ao meu filho. Às vezes é uma desgraça lidar com a sua argumentação e capacidade insistente de dissuasão. Mas é isso! Lidar com alunos que argumentem, que contraponham dá trabalho! Até porque nos obriga a nós contrapor e treinar a nossa própria capacidade argumentativa. E não há professor que aguente com 27-30 alunos assim! Nem o sistema de ensino está preparado para tal! Tudo à nossa volta está preparado para criar marionetas! Nós somos marionetas que nos deixamos levar pelo sistema e, involuntariamente, criamos marionetas. E isso é assustador!