Sobem as cortinas... que comece o espetáculo!
Continuação daqui
Passaram-se quase 6 meses desde que regressara, tentava ao máximo não se cruzar com Isabel, apesar disso, notara-lhe algumas características interessantes. Sabia montar melhor que muitos homens que conhecia e dominava aquele belo garanhão na perfeição! Além disso, cuidava pessoalmente dele. E não poderia ser de outra maneira, já que o animal era pouco sociável, mas nutria por ela uma verdadeira adoração. Quando cavalgavam pareciam um só! Falava também fluentemente o inglês e desembaraçava-se com o francês. Gostava de pintar, embora nada saísse dali que valesse a pena ser exposto. A lia imenso, passava horas na biblioteca da família.
Lúcio e ela tinham estabelecido uma relação de amizade, o que o aborrecia deveras. E estava cansado de ouvir o amigo enumerar as “qualidades” de Isabel. E não fora o facto dele ser seu padrinho de casamento já lhe teria sugerido o caminho de saída.
Pensava porventura que se tratava de uma mulher perfeita? Isso não existia! E se ele a achava perfeita que se casasse com ela. Ahh! Pois. Era ele o seu noivo! Raios para as promessas de família!
Até a mãe ela lhe tinha “roubado”!
Margarida, beirava os 60 anos tinha tido várias gravidezes, tendo só 4 chegado a bom termo, uma que lhe deu origem, a ele, e as outras resultaram em bebés que faleceram pouco tempo depois, tendo sido 3 delas meninas. Isabel, era pois, a filha que sua mãe nunca tinha podido abraçar. A relação entre elas era carinhosa, de pura amizade e cumplicidade. E assim conseguiam também obter de seu pai, algo torrão, tudo o que pretendiam. Margarida era a mãe que Isabel fora obrigada a deixar para trás.
O único passatempo que possuía e onde podia descarregar toda a sua fúria, muitas vezes para cima de pobre Lúcio, eram as lições de esgrima.
Mas até isso Isabel fazia na perfeição! Vira-a muitas vezes de florete em punho a massacrar o seu instrutor.
Ela irritava-o profundamente e o pior é que não encontrava nenhuma razão plausível para isso. A pirallha sardenta e mimada tinha dado origem a uma mulher obstinada muito fora do seu tempo, da época em que viviam. Em que não davam o valor que elas mereciam. Ele já tinha discursado acaloradamente sobre o tema, reiterando a ideia que as mulheres deviam ser olhadas de outra forma pela sociedade. Claro que o tema caía pouco depois nas graçolas e palhaçadas por parte dos amigos e até professores, nada que ele já não estivesse habituado, mas que mesmo assim não o demoviam de falar sobre o assunto sempre que lhe aprouvesse. Mas esta Isabel era demais!
Seu pai deixou escapar entre conversas que fora ela que lhe fizera um ultimato em relação à realização do casamento!! Ou ele, Afonso, regressava e cumpria com a palavra dada a seus pais ou ela, Isabel, iria ser obrigada a voltar para Portugal e romper com anos de amizade e até de negócios conjuntos. Nada a calhar. Sobretudo para a dita honra da família que o seu pai enchia o peito para falar. Dane-se a Isabel!
E com esta raiva que lhe crescia no peito Afonso era ajudado pelo seu criado de quarto a vestir-se, a arranjar-se, para o dia do seu casamento. Como fugir disto?
Parecia não existir fuga possível. Mas ela que não pensasse que ele se vendia! Que se deixava corromper pelos seus inúmeros encantos. Nunca!
E com essas palavras desceu a escadaria para cumprir o seu papel de noivo.
Compelindo-se até ao altar, ao lado de seu pai e sua mãe, ainda lhe ecoavam os mesmos pensamentos mesmo enquanto ela, resplandecente como nunca, arrancando a lágrima fácil das damas presentes e sorriso complacente dos cavalheiros, se ufanava pela nave da Igreja.
Ouviu-lhe as palavras da praxe enquanto a aliança lhe era impelida pelo seu dedo acima,
– Sim, prometo ser-te fiel,… - e sabia que era a sua vez de representar o mesmo papel mas simplesmente não era capaz! E deixou-se ficar assim. A aliança pequena presa entre o seu indicador e polegar sem se mexer, sem cumprir o seu caminho.
Isabel olhava-o num misto de medo e vergonha. A cor a fugir-lhe das faces. Um burburinho começava a ecoar pela Igreja e Afonso estava quedo.
Sentiu a seu lado uma pressão no cotovelo. A voz do seu pai vociferada em seu ouvido.
- Que estás à espera? Não me obrigues…
Afonso libertou-se do toque paterno, indesejado, e continuou com o espetáculo. Sim. Um teatro em que ele era o protagonista e tinha, por sinal, que ser um excelente ator.
Mas depois de descerem os panos. Nos bastidores, aí a conversa seria outra….
Continua....