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Eu tento, mas meu tento não consegue!

Sabendo que nem sempre vou conseguir ir aos vossos espaços, mas nunca vos esquecendo e sempre tentando...

Eu tento, mas meu tento não consegue!

Sabendo que nem sempre vou conseguir ir aos vossos espaços, mas nunca vos esquecendo e sempre tentando...

Onde anda a minha cabeça?

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 A moçoila que aqui debita umas ideias tem uma particularidade muito conhecida. É terrivelmente despistada! Despistada, distraída e desastrada. Uma combinação explosiva e que muitas situações me tem criado. A última foi a seguinte...

 

Costumo todas as manhãs dar uma volta com o meu 4 patas canídeo, e como me conheço tenho uma bolsa de colocar à cintura que contém tudo o que poderei precisar para tal volta. Sacos, ração (para o treino), pá para apanhar o nº2 e uma chave de casa. No entanto, precisei que retirar aquela chave de casa pois foi necessária para outra coisa que não vem ao caso. Portanto logo de manhã pensei "Não me posso esquecer de levar outra chave". Bem, já se está ver por esta altura o que aconteceu. Mas não fica por aqui. Obviamente, e isso costuma ser invariavelmente desta forma, mal a porta bate com a sua característica onomatopeia, "PUM", é o exacto momento eu que eu digo "Parva! Não tenho a chave!!! "

 

Por acaso, o meu excelentíssimo esposo estava perto e, como temos a dita "qualidade de vida" de viver num local onde as distância são percorridas num instante, a chave lá me foi trazida pelo meu cavaleiro andante.

 

Terminada a volta do cão, e como estava de férias, resolvi ir à frutaria buscar umas coisas para casa. Mal saio de casa e ouço "PUM", a porta a bater pela segunda vez e eu a esquecer outra vez a chave! Nãooo!!! Como pode ser???!! Só que desta vez dentro de casa estava a minha chave, a que o meu marido me tinha levado, portanto a dele, e eu estava na rua a dar voltas à mioleira para saber como poderia fazer para entrar dentro de casa!

 

Solução mais complicada, chamar os bombeiros. Hummm... não me parece. Fica para último caso. Solução mais simples e prática. Nós e os meus vizinhos, uma casa mais acima, trocamos de chaves de casa, eles têm uma cópia da nossa e nós da deles. Isto para o caso de surgir alguma emergência e também para podermos tratar da bichada uns dos outros. Restava-me a esperança de algum deles poder estar em casa, já que o vizinho trabalha por turnos.

Toca a telefonar, um não atendeu, restava-me o outro, a vizinha. Explicada a situação e muitas gargalhadas depois, tivemos que ir a outra solução, já que era impossível ela sair do trabalho para me socorrer.

 

E agora? Amigos, alguém adivinha qual foi a outra solução?

 

Eu digo. Recorrer a uma terceira pessoa. Uma amiga da vizinha, que também tem uma cópia da chave da casa dela, e que, por acaso, estava numa pizzaria perto de minha casa. Lá vai a Maria, pela chuva, buscar a chave da casa da vizinha para abrir a porta dela, tirar de lá a cópia da minha chave para abrir a minha porta!!!!

 

E assim se passou uma manhã inteira das minha férias! A esquecer chaves, a pedir chaves, a abrir portas que não eram minhas, a devolver chaves e finalmente a chegar a casa com almoço por fazer, sem fruta, molhada e cansada. Mas pronto,estava dentro de casa e restou-me rir da minha cabeça de alho chocho!

 

 

 

 

 

A noiva - parte V

noivafantasma.jpgImagem retirada da internet

 

 

Continuação daqui

Subitamente e sem que quaisquer indícios precursores o dessem a entender, não teria rolado cem metros quando o motor soluçou e todas as luzes, interiores e exteriores da viatura se apagaram. Surpreendi-me, o carro era praticamente novo, comprara-o aquando da minha vinda para o Lobito, mas deduzi que só podia dever-se a um cabo solto da bateria a causa de todo o sistema ecléctico ter ido abaixo. Consegui encostá-lo à berma, abri a porta e saí para ir verificar.

Quando me debruçava sobre a capota, amaldiçoando a cerrada escuridão, uma luminosidade inexplicável envolveu a viatura e quando, naturalmente surpreendido me ergui de supetão, quedei maravilhado e uma estranha comoção me preencheu.

Tinha-se, olhando para ela, uma sensação de irrealidade. A certeza do sol eterno, a explicação do universo flutuante, a compreensão da vida e das coisas, a confirmação do amor, e, paradoxalmente, a tristeza do conhecimento do espaço de tempo que preenche os sonhos daqueles amores que nunca se terão

Fascinado, devorava a deslumbrante noiva de branco imaculado vestida, os longos cabelos de oiro caindo em cachos emoldurando um rosto de uma beleza fascinate, onde nuns profundos olhos verdes uma indelével mágoa transparecia.

E, subitamente, como se ao toque de uma fada caprichosa eu já não estivesse ali e tivesse sido transportado para um mundo paralelo em que tudo que era desconforto neste se tornasse no mais puro deleite naquele, soube que tudo era lógico e tinha a sua razão, que era assim que era, sempre fora e deveria ser.

Meu querido, tenho medo”

“Não tenhas, eu voltarei para te dizer o quanto sempre te amei e eternamente amarei. Juro, minha vida”

“Oh! Sim! Vem! Lembra-te das tuas palavras. Eu também te juro, meu amor. Juro pelo Sagrado sangue de Cristo nunca mais ter paz enquanto não mas disseres”

Um beijo desvairado selaria a loucura daquelas juras sacrílegas.

Uma enorme sensação de tristeza me invadiu, uma pena imensa, a mesma pena que já uma vez sentira ao segurar nas minhas mãos uma cabeça exangue. Aquela mulher deslumbrante que ali subitamente aparecia resplandecente na mais perfeita beleza, personificava, condensava em si a mais inquestionável certeza do amor universal, de todo o amor através dos tempos. Um só pensamento me ocorria. “Esta mulher nasceu para o amor, para amar e ser amada”

 

- Disse-me… disse-me que sempre a amou e a levava no coração.

Um deslumbrante sorriso de inefável felicidade emoldurou o belíssimo rosto e um suspiro em que se condensava todo o tormento de uma alma aprisionada, libertou-se enfim.

Não a vi entrar para o carro, mas sentada no assento do passageiro, sussurrou na voz mais doce e meiga que já me foi dado ouvir:

- Leve-me a casa.

Um imenso frio se instalara no habitáculo e, instintivamente coloquei o meu blusão sobre os delicados ombros . Ela aceitou e aconchegou-se nele. Sem nenhuma dúvida rodei a chave, acendi os faróis, dei meia volta e dirigi-me para onde sabia dever ir. Muito embora tomando eu o volante, sentia a autonomia de um carro que me conduzia..

Nunca lá fora, não conhecia, não havia motivos para conhecer, mas sem qualquer hesitação sabia para onde devia ir e como ir. Atravessei a cidade de Benguela, sai pela parte norte, continuei e fui-me deter aos portões, agora fechados, do cemitério dessa cidade.

Não a vi sair do carro. Como se flutuasse, caminhou em direcção aos portões do cemitério, voltou-se uma última vez para mim e desapareceu para o seu interior.

Agora que ela se fora, toda a naturalidade de antes me abandonara. Mas, que fazia eu ali? Que se passara realmente? Não podia ser verdade, não havia racionabilidade para aceitar. E se afinal tudo não passasse de um sonho? Ou estaria louco e viera para ali sem saber como nem porquê? “Sei lá o que se pensa e se faz quando se está doido?”

Incrédulo e perturbado, nem dei por mim a forçar as grossas portas de madeira do cemitério, mas, como seria expectável elas não abalaram um milímetro que fosse.

Não vou pormenorizar as explicações que dei à minha mulher. Conhecia-me bastante bem para me ouvir sem necessidade de explicações acrescidas conducentes à confirmação da verdade

Foi ela quem quis lá ir. As portas estavam abertas a essas horas da manhã, e sem quaisquer dúvidas nem hesitações, como se desde sempre lhe conhecesse a morada, em passo seguro passei por todas as campas e fui-me deter sobre o mármore da sua.

- Como ela era linda, - ouvi nas minhas costas a voz comovida da minha mulher olhando para a foto que lhe emoldurava a campa.

Baixei-me e peguei no meu blusão, cuidadosamente dobrado sobre o mármore, e abraçando a minha mulher retirámo-nos dali.

Fim.

 

Obrigada amigo Corvo por ter deliciado este humilde espaço com sua escrita.

A noiva - parte IV

 

Noiva Fantasma.jpgImagem retirada da internet

 

Continuação daqui

 

 

E lá estava ela, estátua de mármore, fantasma de carne que se recorta em contraluz”

 

Imaginemos o sofrimento suportado por essa alma solitária, o desespero silenciado pela ausência de uma voz amiga, de um coração solidário. Ela já não estava ali. Já não há mundo, não há casa, pai, (mãe nunca houvera) não há vida, não há nada. A sua existência assemelhava-se agora a um quadro negro, terra ressequida, queimada, ausência de vida e de cor, natureza morta, deserta , paisagem cinzenta e nua esbatida a esfuminho.

O pranto silencioso com as lágrimas vertendo para dentro, afogando-lhe a alma.

Quando a sua criada de quarto a veio avisar que o pai lhe pedia que descesse e viesse cumprimentar o pretendente, por ele escolhido, já ela tomara banho e escovara os seus cabelos de oiro. Disse-lhe que dissesse ao pai que ela ia já. Tirou o mais belo vestido de noiva que atempadamente comprara, vestiu-o e deixou estas linhas ao pai:

“Não posso, meu pai; dormir com um homem com os sentidos e o pensamento noutro.

Meu pai, perdoe a sua filha.”

Tomou dois frascos de comprimidos e entregou-se ao seu amor.

“Esta quase, meu amor. Meu querido, recebe a tua mulher”

Deitou-se e aquele espírito inquieto, sossegou finalmente.

 

Vêem esse homem tão pálido e tão triste? Desceu ao Inferno!”

 

Depois os acontecimentos precipitaram-se. A morte dela abriu a porta do conhecimento à mãe que corria os imensos corredores daquela enorme mansão, abrindo todas as portas procurando a filha.

A filha que nunca escutara, nunca aconselhara, nunca ajudara. A vulnerabilidade desamparada.

“Oh! Vem meu bebé. Onde estás, meu amor? Vem! Vem à mamã!”

Se à mãe a morte da infeliz criança entreabrira as portas da consciência, ao pai escancarara-as com estrondo. A sua filha, a sua menina, a mais bela flor do mais perfumado jardim, onde estava? Deus Santíssimo! E ele?! Desgraçado de si mesmo. Que fizera? Que fizera ele à menina que deveria proteger, guardar, amar! A sua menina que trouxera nos braços de pequenina, rindo para si confiante nos braços que não a deixariam cair. A filha que todo o pai se orgulharia de ter. Deus! Agrilhoara-lhe a exuberância antes de lhe roubar a vida.

Três dias depois, uns negros que passavam por ali, encontraram no meio do mato o corpo pendurado a mais de cinco quilómetros de casa. Mero acaso. Os grandes pássaros volteando em círculos no céu, despertaram-lhes a curiosidade de investigação para algo comestível cá em baixo. Encontraram não para eles, mas para os corvos que já o tinham tornado quase irreconhecível.

Isto era o que se sabia, que se contava e se aceitava, quanto a mim com algum cepticismo, já para não dizer com dúvidas sobremaneira consideráveis.

Era verdade sim que uma rapariga reprimida por uma educação retrógrada e exagerada se suicidara por o namorado ter morrido na guerra, que a mãe enlouquecera e o pai se suicidara também por não suportar o desgosto, mas por que motivo depois de morta se andaria a passear de noite numa estrada sujeita a ser atropelada e a quinar de novo? Afinal, todos falavam mas nunca ninguém a vira. Ou não era verdade?

Colegas meus, e eu próprio, quantas vezes nesses quase dois anos de trabalhos não passáramos de noite nessa estrada e nunca a víramos? Ou era mentira?

Está bem que não podia assegurar com certeza fidedigna se eram ou não noites de sexta-feira, mas em tantas vezes algumas teriam calhado, ora essa. Ou… só há um mês de Agosto por ano e esse só comporta quatro ou cinco sextas-feiras. E teria, porventura, nunca ter calhado?

Não! Se não calhou a mim calhou a quaisquer outros e nunca nenhum veio dizer. Enfim, tinha de se falar de alguma coisa, não era’

Aliás, nem se falava. Tinha sido tema badalado até a exaustão, mas só no principio enquanto era novidade. Agora quase dois anos após todo o mundo estava mais empenhado em saber se o Benfica ia ou não voltar a ser campeão europeu.

Ia lá agora passear-se à meia-noite pela estrada. Pois sim! Ia, então não ia, coração!

Na última sexta-feira do mês de Agosto de 1973, com os trabalhos praticamente no seu término, eu deveria trabalhar o turno da noite, mas o equipamento avariou no turno anterior e eu fiquei livre e mais contente que um pássaro após ter cativado a passarinha para o ninho. Ia fazer uma surpresa daquelas à minha mulher que só me esperava no dia seguinte. Meti-me no carro, desci os dois quilómetros da estrada de acesso ao acampamento, entrei na estrada Benguela Lobito , virei à direita para o Lobito e carreguei no prego.

Eram aproximadamente dez horas de uma noite particularmente escura.

 

 

Continua....

 

Mais um feriado?

Hoje ao almoço o meu filhote falava do 1º de Maio (sim, outro com letra maiúscula) com um certo desprendimento. Como eu e o pai  tentávamos fazer-lhe ver que não era mais um simples feriado e lhe prometemos uma explicação, esta surge aqui. Para ti filhote e para os teus filhotes daqui a uns anos.

 

Corre o ano de 1886, são 4 da manhã meus filhos ainda dormem, encaminho-me para cada um deles e sopro-lhes um beijo na testa, não os quero acordar. Os mais velhos, um já com 13 e outro com 11, terão que se levantar daqui a uma hora para seguirem para o seu trabalho na fábrica de algodão. Bendita a hora em que lhe conseguimos aquele trabalho, pelo menos assim já ajudam no pão à mesa, embora me entristeça que percam assim a meninice. Mas naquela fábrica ainda aceitam crianças a trabalhar. E como ainda parecem crianças assim a dormir....

Os mais novos, o meu caracóis de 2 anos e Rita, a única menina, de 7 meses ainda ficam ao cuidado da mãe que lava, costura umas roupas para fora, cuida da casa e tem a sorte de ver as crianças crescerem. Luto para que um dia os meus filhos possam ver os seus filhos crescerem. Luto para que um dia os meus filhos não precisem de trabalhar e possam ir à Escola. Luto... e não lutarei sozinho.

 

Saio com o coração nas mãos e aperto nelas o cartaz, um que tirei do monte dos muitos que estivemos a fazer ontem até às tantas da noite. Nele está escrito uma das razões da minha luta. Os meus filhos e os filhos do futuro.

 

Cheguei a uma altura em que não distingo o dia da noite. Não sei para que vivo. Vivo para comer, dormir. Dormir pouco. E trabalhar. Trabalhar muito. Trabalho 16 horas por dia! Em meses mais apertados chego às 17 horas por dia! Saio todos os dias às 4 da manhã para entrar no trabalho às 5:30, e só a ela regresso por volta das 23:30 ou 00:30. Sem vontade de mais nada que não seja olhar para meus filhos e ganhar forças para ter coragem de me deitar e acordar no dia seguinte. Sim. Porque a minha covardia secreta seria a de adormecer para sempre...

 

Mas hoje. Hoje tudo mudará, acalento essa esperança. Hoje eles vão perceber que não pode ser assim! Afinal também somos gente! Nas nossa veias também corre sangue e bate um coração. Sei isso. Sinto isso!

 

Encontro meus colegas de profissão, mais serralheiros da mesma fábrica e muitos mais rostos desconhecidos. Hoje tudo mudará! E isso não está escrito nos cartazes mas nas nossas faces! Está impresso também na nossa alma. Somos agora tantos. Ouvi dizer que cerca de 500 mil trabalhadores enchem as ruas desta enorme Chicago numa manifestação pacífica. Não queremos mal a ninguém. Apenas queremos sentir-nos mais gente. Apenas pedimos o  que achamos justo. Gritámos para que nos ouçam. Reivindicamos a redução da jornada para oito horas de trabalho. Será pedir muito? Eu acho que não. sinto que não! Mas também sinto este meu coração que bate angustiado sem saber porquê! Tudo está calmo apesar dos gritos e palavras de ordem.

 

Surgem gritos ao longe. não percebo que se passa! De repente vejo a polícia a tentar calar-nos. Como podem? Como ousam? Ó tristes que não sabem que aqui bate um coração!

 

Querem calar-me? Não querem que lute pelos meus filhos? Mas é por eles, pelos meus, e pelos vossos filhos, que aqui grito! Que aqui luto! Que aqui digo que sou um homem como os demais!

 

Ó infames que não sabem que aqui deixará de bater mais um coração. O céu foge-me... as ideias e a luta não fugirão eu sei que não. Porque eu... eu também tenho um coração... embora já não bata.

 

Mais corações deixarão de bater, mas hão-de perceber que esta é uma luta justa, por mim, por ti, por eles...

 

Três anos volvidos, em 1889,  fala-se por aqui que o Congresso Operário Internacional, reunido em Paris, decretou o 1º de Maio, como o Dia Internacional dos Trabalhadores, um dia de luto e de luta. Meu pai morreu nessa luta! Ingloriamente meu pai morreu nessa luta... Sei que um dia, direi isto com glória, uma dia seu coração voltará a bater, esteja onde estiver, e sei que esse dia não tardará. Minha mãe, que perdeu o seu olhar já há muito naufragado, não acredita, mas que sabem as mulheres?

 

Esse dia chegou meu pai! Estamos em 1890. Passaram 4 anos! Mas finalmente os nossos corações têm direito a bater! Os trabalhadores americanos conquistaram a jornada de trabalho de oito horas. Um dia meu querido pai, daqui a muitos anos, todos os trabalhadores lembrar-se-ão que morrestes por nós. Morrestes por mim, por nós e por eles! Para que todos saibam que merecemos ser Homens! Podemos lutar. Merecemos reivindicar. Afinal meu querido pai, nós somos o "trabalhador"! A massa operária, como lhe chamam, e as massas têm mais poder do que aquilo que lhes tentam fazer acreditar!

 

 

Lina Maria

 

O meu Abril (2ª parte)

 

... Continuação do artigo (post) anterior

 

 

 

 

Para mim tudo era estranho naquela casa para onde meus pais me levaram. Não tinha brinquedos e não tinha a minha cama, dormia num quarto ao lado dos meus pais e tinha muito medo na noite demasiado escura. Conheci o meus avós, a casa era deles. O meu avô gostava de brincar comigo às escondidas mas a minha avó não parecia ter muita paciência e eu evitava chegar perto dela, tinha uma cara de zangada.

 

Lembro-me que se falava na festa da aldeia e todos pareciam menos tristes por isso, mas eu não gostei daquela festa! Ouvi os tiros outra vez e escondi-me na despensa debaixo de uma prateleira e não saí nem quando me chamaram! Não fosse dar-se o caso de os tiros estarem perto como pareciam. O meu avô encontrou-me e ficou ali ajoelhado, perto de mim, até o barulho dos "tiros" passar.

 

Não gostava daquela casa. Sei que o meu pai também não gosta, mas a minha mãe finge que não se importa de ali estar. Ouvi dizer que o meu pai vai trabalhar outra vez para a mina. Decido não gostar dessa mina. Dizem que é escura e fica debaixo da terra, não gosto de sítos escuros. Quero ir para minha casa, quero os meus brinquedos e o meu baloiço. Porque é que não voltamos para casa?

 

Meus pais explicam que uns senhores tiraram a nossa casa, e tudo o que tínhamos, as malas não chegaram a Portugal. Só temos a nossa roupa e algum dinheiro poupado, não muito, o que deu para poupar e trazer connosco desses três anos de início de vida. Explicaram que já não podemos voltar para a casa que eu gosto... a minha casa! Esses senhores foram maus, porque é que eles fizeram isso?

 

Meus pais notaram que na aldeia onde estavam a vida continuava difícil, mais difícil agora onde parecia que já não eram Portugueses. Ouvia dizer que eles eram retornados. Decidiram tentar a sorte em outro país, desta vez o Brasil, onde nada correu como esperavam, mas essa é outra história...

 

A base destas duas histórias serve para deixar um testemunho de alguém que cresceu a ouvir falar mal do 25 de Abril, e que este lhes "roubou" tudo o que tinham! O que não deixa de ser verdade, em certa parte. Nada foi fácil a partir desse dia, pedi o meu mundo, o único que conhecia, e perdi-o de uma forma muito dura para a idade tenra que tinha! Mas cresci a saber respeitar o outro, a ser solidária, a ver o todo e sobretudo a prezar muito a liberdade que tenho  de poder expressar-me, de poder ter as minhas ideias e de lutar por elas sem medo. Aprendi a não olhar só para o meu umbigo, e apesar de ter perdido muito, ganhei algo que prezo acima de tudo - LIBERDADE -

 

Por isso, não sou uma simples citadina que não sabe as dificuldades do pós 25 de Abril. Eu vivi-as no meu jovem corpo e na minha alma! Talvez por isso, por tudo o que possuo ser suado, conquistado e fruto de muito, mas muito, trabalho que sei dar valor ao que tenho e àquilo que foi conquistado naquele dia. Naquele 25 de Abril de 1974!

 

 

 

 

O meu Abril (1ª parte)

 

O novo acordo ortográfico diz que os meses se escrevem com letra minúscula, desculpem-me os "senhores do acordo", mais em desacordo que eu já vi, mas Abril para mim é com maiúscula! Não só porque é o meu mês, como é o mês que tornou os portugueses, pelo menos a sua maioria, despertos para a palavra "liberdade".

 

No meu artigo anterior (post para os mais Ingleséfilos), que escrevi sobre Abril, recebi alguns comentários de teor duvidoso. Não só pelo conteúdo menos educado, como pelas ideias que não me faziam muito nexo. Palavras soltas deixadas ao calhas e quem quiser que organize. Infelizmente ao apagar um menos adequado outros foram à vida também. Acontece. Peço desculpa se apaguei algum indevidamente. Foi a primeira vez que apaguei comentários e apesar de terem palavras e frases pouco construtivas, mais para o brejeiro e mal educado mesmo, ainda ponderei se o deveria fazer. Mas o Blogue é meu, e ou aprendem a reger-se pelas regras da argumentação e boa educação ou vão dar uma curva ao bilhar grande que é ali mesmo ao lado. Se estão de mal com a vida aconselho a ingestão de um frasco de mel diário pode ser que adocem. Para distribuição de limões gratuitos não estou disponível, obrigada.

 

Adiante...

Um dos comentários que continha linguagem indecorosa, apesar das frases sem grande nexo, o seu sentido era dizer que eu falava bem do 25 de Abril porque era citadina, nova e burra. Pois bem, nada mais errado, tirando a parte do burra que pode ser discutível, mas eu tenho uma boa opinião sobre mim própria, não tenho um elevado QI mas dá para o que quero.

 

Convido, quem quiser continuar com as linhas que se seguem, e tiver paciência para essa leitura, a recuar comigo ao meu Abril. No meu 25 de Abril de 1974....

 

Estava um dia quente, daqueles dias que amanheciam numa Angola distante da metrópole, na minha casa pouco se entendia de partidos políticos e de necessidades de libertação. Meu pai foi obrigado a ir para uma guerra que lhe trouxe muitos dissabores. Perdeu o pai ainda na maldita guerra, como ele lhe chama. Regressou e tentou fazer vida. Recém casado, decidiu com a sua jovem esposa, grávida, abalar para Angola à procura de uma vida melhor, em fuga de um Portugal sem grandes esperanças para pessoas com apenas a 4ª classe, que pertenciam a um Trás-os-Montes perdido e esquecido. Lembram-se que naquela altura estiveram para escolher entre a Alemanha e Angola. Mas em Angola falava-se o Português e afinal era uma colónia que pertencia a Portugal. Além disso, uma país do qual diziam maravilhas! A maior parte da família estava para lá e assim o sentimento de abandono à terra não seria tão sentido.

 

Pessoas simples de uma aldeia, habituadas a nada ter e a lutar imenso pelo pouco que conseguiam. Apenas queriam mais para a sua prole, o futuro que ameaçava aparecer a qualquer momento.

 

Mas naquele dia algo mudava, sentiram isso na notícia que um amigo lhes trouxe naquele entardecer! O regime caiu! Deu-se o 25 de Abril!

 

Mas que significa isso? A pergunta pairava-lhes no ar....

 

A resposta não tardou. Naquela semana notava-se uma certa agitação nas pessoas.

A lavadeira de uma amiga começou a deixar bilhetes escondidos, que foram sendo descobertos após o seu sumiço sem explicação. A missiva que continham era, não um pedido, mas antes um aviso, "BRANCO VAI-TE EMBORA" ou, "ANGOLA É NOSSA!"

 

Meus pais começeram a sentir algo que nunca tinham sentido até então, a cor da sua pele branca. Muitos "amigos" ditos de cor, esqueceram que a amizade não se guia por esses preconceitos e deixaram de aparecer. Muitos dos que simpaticamente falavam fingiam agora não terem dentes para sorrir.

 

Mas afinal que mal fizemos nós? Questionavam-se baralhados aquelas duas pessoas, os meus pais,  que encerram em si uma certa ignorância.

 

Não muito tempo depois da "notícia dada" ouviram-se os primeiros tiros em Angola. Não muito longe da rua onde morávamos em Luanda. Eu estava no meu baloiço e sinto mãos fortes e aflitas a agarrarem-se e apreensivamente a fugirem comigo para casa onde tudo é fechado à pressa! Correm-se persianas, encerram-se portas agitadamente. E os tiros... esses ainda se ouvem!!! Minha mãe reza... meu pai está lívido e não me solta. Sinto suas mãos quentes e suadas a pressionarem-me mais do que gosto. Esqueço-me de chorar... o susto tirou-me esta reacção natural.

 

Diziam que alguém tinha morto um taxista branco! E as fontes falavam que o assassinato foi perpetrado pelos negros dos arredores de Luanda. Não muito tempo depois ouviu-se que a vingança não tardou, e alguns taxistas portugueses atacaram vários musseques, os bairros dos pobres, ao redor da capital. E num olho por olho, dente por dente, numa Luanda a ferro e fogo as reações seguintes agudizaram ainda mais a situação: as lojas dos brancos portugueses, mais de 1000, nesses musseques, começaram a ser saqueadas e queimadas com a população a festejar por cada estabelecimento destruído. E os tiros continuavam...

É decretado o recolher obrigatório. Alguns camionistas e taxistas desobedeceram a este recolher e passearam-se com bandeiras içadas nas viaturas, dizia-se que um jovem de 14 anos foi morto no tiroteio desordenado entre militares a ocupantes dos carros.  O medo ganha raízes.

 

Começa a faltar comida. Na minha casa, um amigo que tinha uma mercearia leva, perto da hora do recolher, alguma comida. E a ele devemos não ter travado conhecimento com a verdadeira fome. Este amigo sabia que existia uma criança naquela casa, e o futuro era para ser protegido. Só pão falta.

Minha mãe não saía e meu pai ia unicamente trabalhar e depressa voltava.  

 

Temos de voltar. Temos de sair daqui. É o que pensam, é o que precisam!

 

Chega um tempo em que começaram a deitar-se vestidos e prontos para fugir pela noite caso necessitassem. Uma noite ouço os sussuros dos meus pais e distingo, na voz apreensiva do meu pai, "Ainda bem que a menina consegue dormir", mas a menina não conseguia... "Pai, porque estás assustado? O que se passa?"

Claro que as suas desculpas não resultaram. Tal como disse, o meu QI não é elevado mas serve.

 

Sou acordada de madrugada, tirada da cama e levada para a rua onde já não ia há algum tempo. Meus pais seguem num silêncio cismático. Eu, que tanto falo, decido que prefiro nada dizer e acompanhá-los nesse silêncio que não entendo. Pára um jipe da tropa que tem escrito as letras "FNLA". Que quer isto dizer?

Perguntam aos meus pais se não sabem que ainda está na hora de recolher obrigatório?

Eles sabem... mas precisam de ir à Delegação de Saúde para receber a vacinação obrigatória a fim de regressar a Portugal, e nestes dias é impossível as filas que ali se ressentem! Tiveram que ir de madrugada para poderem ter atendimento com a menina.

Do dentro o veículo ouve-se a ordem:

"Entrem no jipe!"

Sou levada pelos braços suados que me apertam mais, outra vez aquele aperto que me atormenta. Deixam-nos à porta da Delegação de Saúde e pedem aos meus pais para terem cuidado, "As coisas não estão boas e deram connosco, senão não teriam tanta sorte!"

Sorte, foi o que tivémos. Meus pais confessaram mais tarde que pensaram que não iam sair vivos daquele jipe. Mas algumas almas não se extinguem mesmo na desventura!

 

Mais uns tempos naquela Luanda... onde no quintal se sentia, no calor daquele Abril, um cheiro fétido trazido pela brisa. O cheiro a morte. Dizia-se... dos mortos que se acumulavam na Delegação de Saúde onde esperavam o seu destino.

Isto vai melhorar, dizia-se... Será?

 

As malas são feitas tenta-se levar o que se pode. Só sou autorizada a levar comigo o meu hipopótamo verde, que me acompanha nas noites de sonho, e o meu piano pequeno. Nada mais. Tudo o que é meu é encarcerado em malas que nunca mais vi...

 

Seguimos numa fila de gente. Quero colo. Meu pai segue à frente carregado com o que pode. Minha mãe não pode dar-me o que preciso. Colo. Não tem espaço nos seus braços cheios, uma sacola, discos e o meu piano ocupam o lugar que anseio. À frente "os que mandam" tiram algumas coisas às pessoas. Minha mãe, num momento de lucidez, pousa a sacola e dá-lhe um ligeiro pontapé deslocando-a para a pessoa à sua frente, que nada lhe diz, que não conhece, e esse alguém passa a sacola, do mesmo modo, para o indivíduo imediatamente a seguir. E de toque esperto de pé, em toque astuto, a sacola passa os guardas sem que estes lhe deitem a mão. Nada tem de importante para eles. Só a simplicidade dos meus pais. Uma garrafa de champanhe que sobrou do meu batizado e um pequeno rádio a pilhas. Uma sacola que mostrou que há sempre união na desesperança.

 

Chegamos a Portugal. Não ouvia mais tiros, mas meus pais ainda sussurravam tristemente a noite. E eu podia ouvir minha mãe a chorar baixinho...

 

Continua....

 

Uma história... um nome.

 

Imagem retirada daqui

 

Ela era tímida, muito tímida. Estudante aplicada, muito interessada nas aulas e com enorme vontade de aprender. O grupo de amigos restrito, entre eles nada de timidez, era considerada a mais divertida do grupo. Descobriu que era forte, apesar do seu aspecto frágil.

 

Dois alunos mais velhos, que partilhavam com ela o transporte para casa e para a escola, começaram a achar piada gozá-la.

A primeira vez foi porque ela deixou escapar que gostava de ir para casa cedo. Parecia que os adolescentes não deveriam gostar de ir para casa cedo, muito menos dizê-lo! Mas ela não tinha sido informada disso. Começaram a gozá-la a dizer-lhe que queria "ir ver os desenhos animados", ela, apesar de tímida, era forte, e respondeu "se sabem que a estas horas dão desenhos animados é porque também vêm!", devia ter estado calada! Mas ninguém a avisou... foi uma tortura essa viagem e as que seguiram. E das viagens passaram a chateá-la na escola. Mas na escola conseguia escapar-lhes, e até não os ver, já que, felizmente, passavam muito tempo em cafés e a fumar nas traseiras dos pavilhões "com a malta fixe", os "bué". Mas sabia que não conseguia escapar-lhes nas viagens... E quando chegava a casa dava liberdade às sua emoções, e chorava.

Até que um dia a mãe percebeu o seu choro, questionada deixou escapar o que a atormentava. Mas não deixou que a progenitora falasse com a mãe dos "mais velhos", os "bué", convenceu-a de que seria pior e convenceu-se que conseguia. Conseguiria suportá-los e suportar a crueldade.

 

Tudo servia para a gozarem, o cabelo fino e escorrido, o facto de ser magra, a roupa, que era mais simples, a timidez.Começaram a chamar-lhe marrona porque tinha boas notas... e ela fazia por calar. Aprendeu a "desligar" e aprendeu a ser forte. 

 

Os anos foram passando e o rapaz, desistiu de estudar.  A rapariga ainda por lá andava, mas agora, agora já não estava no 9º e ela no 7º. Agora estavam as duas no 9º! Até que a rapariga estava no 10º e a menina gozada, a marrona estava no 11º. Pois... era marrona!

 

Soube, uns anos mais tarde que o que passou  tinha um nome - bullying -

 

Soube também que muitos passaram, e passam, por situações idênticas, e alguns que incluem actos de crueldade inimagináveis. E são estes actos que nos põem a pensar... Para quê? Que prazer doentio têm em fazer sofrer? São estes os psicóticos? Os futuros criminosos? Será que algum dia têm consciência do que fazem?

 

E hoje, hoje ela leu a notícia de Amanda Todd, uma jovem vítima de Ciberbullying, outro nome para crueldade.

 

O bullying deveria ter acabado ou pelo menos ter-se tornado menor. E ao ter nome, ser falado e tornado público deveria ser mais fácil de lidar.

Mas não! Parece que cresceu! Cresceu com a tecnologia, aproveitando-se dela.

 

Amanda Todd, não foi forte. Como poderia? O "nome" tornou-se mais forte que ela... não suportou. Suicidou-se! Mas deixou uma mensagem.

 

Será que vão ouvir a mensagem dela?

 

Será que custa tentar ouvir e perceber que o que se faz não chega? Será que não se percebe que esta é uma das verdadeiras crises contra a qual tem que se lutar e arranjar medidas concretas e coerentes e sobretudo continuadas?

 

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