Aqui há uns dias ao ler a notícia de uma jovem que foi raptada com 10 anos, Natascha Kampusch, que aos 18 conseguiu fugir e que entretanto conseguiu lidar com esse aspeto da sua vida, inclusivamente escrevendo livros levou-me, como muitas vezes, a pensar nesta sociedade.
Ao que parece Natascha tem sido acusada, agredida, e causa polémica. E tudo isto porquê?
Porque ela se recusa a “vestir” o papel de vítima!
É incrível como as pessoas que nos rodeiam sentem que as suas necessidades têm que ser as nossas.
Por experiência própria vivo isso! Recuso-me muitas vezes a vestir o papel de vítima. Sofro de uma dor crónica e com isso tenho a necessidade de lutar contra o meu aspeto cansado, pondo maquilhagem, algo que nunca usei até então, e é incrível como muda todo o meu semblante! Faço por sair de casa, sempre que consigo, quando muitas vezes a minha vontade é ficar deitada e quieta.
Opto por usar os meios disponíveis, nomeadamente cadeira de rodas, quando é necessário andar muito, para desfrutar de algo. E isso é um acontecimento que causa estranheza aos demais. Já me disseram que se eu não conseguia andar muito deveria fazer férias numa praiazinha sossegadinha em vez de andar a conhecer novos locais.
Mas porquê? Pergunto eu.
Será que a minha família terá que ser obrigada à clausura só porque eu tenho limitações?
Será que sou menos pessoa?
Usar uma cadeira de rodas quando preciso faz de mim inválida?
Evitar usar a cadeira faz de mim uma pessoa mais forte?
Será que já não é suficiente o que sinto para que tenha que complicar ainda mais?
Eu penso que não. Eu gosto de conhecer novos locais, gosto de fazer, de tentar, de ver, de sentir novas coisas… enfim… recuso-me a vestir o papel de vítima! Uso o que tenho a disposição para poder desfrutar o que a vida ainda me oferece. Para quê complicar mais algo que já é complicado. Mais vale aceitar e lutar com as armas que tenho à mão.
Noto, no entanto, que porque eu aprendo a lidar com o que tenho as pessoas pensam que já não sinto dor, ou não aceitam que eu consiga viver e tento desfrutar de algo, mesmo com a tormenta que se cala em mim. Não preciso de fazer alarde disso! Não preciso que os outros vejam eu tenho dor, não preciso de pena. Preciso simplesmente de viver os poucos momentos, já que a nossa passagem é curta, só isso!
Retirado da Internet. Não que eu seja fã do tipo, mas nesta ele acertou na mouche!
Não é novidade para quem segue este Blogue há algum tempo que tenhouma dor crónica. Este problema de saúde resultou de uma lesão traumática de dois nervos periféricos, o longo torácico direito e o supra-escapular, dois nomes que me trazem algumas limitações física, além da já referida dor. Não consigo carregar pesos, realizar muitas das tarefas domésticas, não movo o braço direito em todas as amplitudes, não consigo andar muito tempo a pé (devido aos grupos musculares dorso-lombares que começam a contrair e provocam mais dor), tenho falta de força, não consigo estar muito tempo de pé,.... e por aí vai.
Quem me conhece e assistiu à minha evolução sabe que tenho atingido gradualmente diversos patamares. Consegui passar de não mexer o braço para o mover de modo a poder realizar inúmeras tarefas. Além disso, o meu aspecto físico melhorou bastante. Consegui uns quilitos a mais e não tenho um fácies contraído e cansado fruto de uma dor que ainda não estava controlada. Mas após alguns tratamentos mais interventivos, além da parte terapêutica, tenho conseguido adaptar-me e ser o que consigo ser e fazer o que também consigo (às vezes até um nadica mais).
Consigo trabalhar, apesar de ter uma profissão que requer algumas tarefas que não consigo mesmo realizar, existem sempre muitas outras para as quais posso contribuir com algum valor. Felizmente posso contar com o apoio sempre constante da chefia! Claro está que tive que pedir horário parcial, mas o que interessa é que consigo contribuir para a sociedade! Consigo fazer algo. Agora digam-me, não deveria fazê-lo? Deveria fechar-me em casa a carpir as minhas dificuldades?
Hoje li um artigo no Jornal Público (e daí surge esta minha exteriorização do assunto) sobre pessoas que possuem algum tipo de incapacidade e são olhadas de lado, como se não bastasse o número incontável de barreiras com as quais têm que lidar. Posso falar que Portugal não está preparado para este tipo de minorias. E o estranho da questão é que muitas dessas mesmas barreiras começam nos serviços de saúde! Por exemplo, No Centro de Saúde da minha área as portas não possuem abertura automática. Eu não consigo abrir aquelas pesadas portas de vidro! E não é a primeira vez que vejo idosos com o mesmo problema, para não falar de pessoas que andem de muletas ou cadeiras de rodas! Cuja entrada no edifício se revela tarefa Hercúlea!
Outras barreiras estão na mente das pessoas. Eu, felizmente, não preciso de cadeira de rodas, não tenho esse tipo de incapacidade. Mas como não consigo andar muito tempo a pé se quiser visitar algo que se presupõe que tenha que andar muito tempo necessito dessa ajuda, sob pena de não poder mais andar sem dor extrema, que digo-vos não é pera doce, só quem a sente é que sabe como é. Porque é que não hei-de usar a cadeira, se essa ajuda existe?
Aborreci-me à séria com duas colegas de trabalho, porque uma delas deixou escapar que se necessitasse do apoio de uma cadeira de rodas, mesmo sendo como o meu caso, e principalmente no meu caso, não saíria para alguns locais sabendo que não poderia aguentar o caminho!
Sob esse ponto de vista eu nunca tería ido a Lanzarote, já que necessitei da cadeira de rodas para poder percorrer todo o aeroporto. Ao colocar-lhes essa questão, se eu não teria direito a ver alguns locais e a visitá-los? Perguntaram-me se eu não gostava antes de uma praínha sossegada onde não precisasse de andar muito! Homessa!!! Então as pessoas que têm certas incapacidades não podem ver mais nada senão praínhas sossegadas? Ah! e não serve uma qualquer, pois sabemos que muitas possuem as chamadas "barreiras arquitectónicas".
Quem tem limitações não pode sair de casa, não deve ir trabalhar, já que obrigam a reestruturação do serviço (embora eu saiba, e agradeça do fundo do coração, o trabalho que dou à minha chefe), não pode tentar ser mais pessoa? Não pode e não têm o direito a viver a usufruir do que os ditos "normais" podem usufruir!?
Tenho consciência de que posso dar muito pouco de mim, mas tudo o que dou julgo que tem valor. Que pode contribuir para a sociedade muito mais do que se eu ficasse enfiada entre quatro paredes e a gastar dinheiro em psiquiatras, já que ia dar em doida! Faz algum sentido que eu não possa usar de um instrumento como a cadeira de rodas para me deslocar quando dele necessito? Afinal ele foi pensado para isso, para que se possa viver e gostar da vida uma vez mais e de maneira diferente!
Será que se pode tentar, por uma vez, pensar e ver mais longe do que o que se vê?
Será que o mundo pode tentar focar-se em quem ainda quer ser e fazer? Em quem ainda tem muito para dar, apenas o fazendo de forma diferente!? Em quem tem muito para ver e visitar e acha que não é uma incapacidade, uma ajuda que necessite, que o deve impedir?