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Eu tento, mas meu tento não consegue!

Sabendo que nem sempre vou conseguir ir aos vossos espaços, mas nunca vos esquecendo e sempre tentando...

Eu tento, mas meu tento não consegue!

Sabendo que nem sempre vou conseguir ir aos vossos espaços, mas nunca vos esquecendo e sempre tentando...

Saber Cuidar

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Uso muitas vezes o blogue como uma espécie catarse para os meus pensamentos, e foi o que fiz com um post que coloquei há dias. Mal eu sabia que tudo o que o meu pai manifestava iria culminar com um internamento forçado num serviço de neurologia.

 

Ver o seu olhar de confusão a pedir-me que o desamarre, já que é incomportável que ele não esteja preso, para sua segurança e dos demais, é verdadeiramente torturante.

 

Mas nestas lides pelo Hospital, um Hospital que raramente usei como utente, permitiu-me perceber alguns pequenos detalhes. Acho que todos os profissionais deveriam passar para o lado de lá de vez enquando para se empatizarem com o outro.

 

Para quem não percebeu ainda sou uma profissional de saúde, uma enfermeira. Embora a minha área atualmente seja um pouco diferente do que a maioria está habituada, seja como for, sei o que é estar nessa profissão. Felizmente a minha escola tinha uma máxima exigida a todos os alunos “Saber estar”. E essa máxima era levada tão sério que um colega meu, aluno de 19 na teórica, chumbou em estágio porque a sua postura era demasiado relaxada e um pouco “baril” ou “cool” para os olhares dos avaliadores. De facto assim era. E aquilo que na altura, como aluna, achei um exagero compreendo-o agora muito bem. Esse aluno foi obrigado a esperar por outro grupo de alunos que entrasse em estágio para prosseguir de ano, custou, mas a sua postura como futuro enfermeiro mudou radicalmente.


Além desse “saber estar” insistiam muito que tivéssemos empatia com o utente. Que compreendêssemos o que era estar do lado de lá. Claro que isto é muito lindo na teoria mas nem todos o conseguem na prática, até porque muitas vezes se esquecem do que representa esta profissão. Não é um mero emprego, representa o “cuidar”. Algo que deve ser levado além do dinheiro que necessitamos no fim do mês na conta bancária.

 

Isto to para dizer que encontrei alguns profissionais, e ainda jovens, como um ar enfastiado sempre que lhe dirija uma pergunta ou pedia ajuda para algo.

 

Ah! Convém saber que não tenho por hábito identificar-me como coleja de profissão, só o faço em última instância. E sim, a o trato seria diferente, já me aconteceu depois de dizer que sou enfermeira a atitude mudar radicalmente, isto quer para colegas meus quer para médicos.

 


Mas também devo dizer que tenho encontrado profissionais extraordinários. E neste serviço onde o meu pai está a equipa é excelente. Mesmo sendo poucos profissionais para a carga de trabalho nota-se uma certa serenidade por parte deles. E Encontrar quem tenha a capacidade de saber cuidar é um alento para quem está fragilizado.




Filha da demência

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O cérebro humano continua a ser-nos desconhecido. Julgo que sabemos mais sobre o infinito Universo do que sobre os infinitos processos cerebrais. A doença que afete o mental, mesmo em pleno Séc. XXI, é olhada de lado e muitas vezes fingimos que não existe, e outras tantas têm-se medo que seja contagiosa.

 

No Hospital o serviço de psiquiatria é o parente pobre dos serviços, aquele cuja administração preferia apagar do quadro.

 

Não fazendo parte das perturbações psiquiátricas, mas tendo alterações comportamentais como estas, encontram-se as demências, algo que beira a loucura sem sê-lo.

Ter uma pessoa com demência na família é como fazer o luto de alguém que ainda respira mas cuja essência já pereceu há muito. O corpo realmente é um mero invólucro, e assim que a mente deixa de funcionar de pouco nos serve.

 

O meu pai é uma dessas criaturas humanas… Saber que a pessoa que tenho ali já não é o meu pai dói. E dói mais ainda ver como ele está perturbado, agitado e, demasiadas vezes, com um olhar de pleno sofrimento... talvez algo em si lute, ainda, contra o precipício em que se vê cair, mas cada vez mais a queda se acentua.

 

Estar com ele é uma tortura. Não existe um diálogo coerente, mas ele ainda me reconhece como filha. Uma filha que lhe diz como comer, que lhe diz para não falar de boca cheia, para mastigar e engolir antes de tornar a enfiar qualquer coisa à boca, que lhe diz como andar, como vestir, como se comportar… perdeu completamente a desinibição social. Despe-se à frente de qualquer um e até no meio do salão se por acaso lhe parecer que o deve fazer. E é interessante como aquela pessoa que nunca tinha uma palavra carinhosa agora não se cansa de dizer que nos ama. Verificar como ele, que pouco falava, agora tem sempre a “turbina” ligada! Mesmo que não se entenda o que ele diz, ele fala, e fala, e fala para nada dizer… A guerra colonial, essa maltida, é o seu tema preferido.


E lembro-me do primeiro internamento que ele teve, em que a desconfiança da sua perda pairava no ar. Ele percebeu que a sua ruína estava próxima e tentou terminar com o sofrimento. Um espelho partido no quarto de banho, um corte certeiro no pulso, mas não foi o suficiente… e a sua não vida prolonga-se sem saber como nem para onde.



Relato II, esperando ser o último...

 

Esta é a segunda fase dos meus relatos das experiências passadas com meus pais. Deixei este para último porque é o mais difícil de escrever e o mais difícil de recordar, já que não é só uma recordação mas algo que ainda sobrevive ao dia-a-dia.

 

Em  agosto de 2012, e depois de muitas peripécias que qualquer dia contarei, foi diagnosticado ao meu pai, nos Hospitais de Coimbra, uma Demência de Corpos de Lewy, que qualquer pesquisa simples na net vos elucidará do que se trata. Menos frequente que o Alzheimer e com progressão mais rápida e igualmente difícil, quer para o portador da doença quer para os seus familiares. E chega a um ponto que sobretudo para os seus familiares.

 

Podem dizer-me "Faço ideia do que estás a passar". Eu respondo a esta frase, não. Não fazem a mínima ideia do que é ver o nosso pai (neste caso) ser portador de uma demência. Do que é vê-lo a não ser ele, do que é vê-lo a ir-se e o seu corpo ainda estar presente. Dói mais do que a morte. Porque é uma morte lenta e insidiosa. Leva-o todos os dias. Tira cada dia um pouco e cada dia o leva para mais longe. Não é ele que está ali...

 

Alguém me dizia aqui há uns tempos. Não digas isso, ainda o podes abraçar. É verdade. Ainda o posso abraçar, ainda tolera os abraços que nunca me deu e agora dá, porque agora não tem o travão mental de não demonstrar carinho. Ainda tolera abraços porque ainda me conhece, ainda não está agressivo. Mas que preço tem este abraço? Um preço que não vale a pena pagar... Estarei a ser crua ou realista de mais? Vejo as coisas de dentro e não de fora. Tão simples quanto isso.

 

Este tipo de Demência está associada a sintomas Parkinsónicos. Ambas as doenças são de cariz neurológico e associadas a geriatria mas como exibem alterações de comportamento levam a um internamento na psiquiatria. Se tem ou não lógica não sei. O certo é que o serviço de neurologia não está preparado para receber estes doentes e não existe outro serviço adequado para pessoas que necessitam de uma vigilância constante, quer pelo seu sentido de orientação alterado, quer pela sua parte cognitiva já com muitas falhas. E é deste serviço, da psiquiatria de um Hospital em Trás-os-Montes, um grande Hospital considerado de "qualidade", onde o meu pai esteve internado que vou falar o que muitos calam. Calam por vergonha de dizer que estiveram lá internados, por vergonha de ter tido um familiar lá internado, por pruridos de uma sociedade hipócrita e mesquinha.

 

Ao entrar naquele serviço parece que recuamos no tempo. Depois de questionar algumas pessoas, nomeadamente profissionais de saúde que trabalham em outros locais e nesta área, pude constatar que felizmente não é frequente a existência de locais que funcionam como aquele serviço em particular, género psiquiatria de há um século atrás. Ali as mulheres e homens estão no mesmo espaço físico, à noite estão em dormitórios separados mas de dia não. Outra particularidade é que os doentes durante o dia não têm acesso à sua enfermaria, o que dificulta o acesso aos seus pertences, como roupa e produtos de higiene. Ali não se lava os dentes a menos que se ande com a escova e pasta à tiracolo. Não se tem roupa própria, porque nem sei se existe onde a guardar, já que não vi as enfermarias, e me disseram para não levar a roupa dele. Disseram que tinham pijamas no serviço e fatos de treino e tudo o que fosse preciso. Ok...

 

O que se vislumbra são pijamas a cair pelas pernas abaixo dos utentes, e se há os que conseguem ir puxando a roupa atempadamente, há os que, por força da lentidão produzida pela medicação não o conseguem fazer, portanto estão a ver o aspecto que dá pessoas com as calças a cair e com ar de que não estão bem neste mundo?

Além disso, todas as patologias também estão juntas, é tudo ao molhe e fé em Deus. Quem é internado por uma depressão sai dali mais deprimido, isso é certo. Terapeuticamente controlado, mas mais deprimido. Como não se podem deitar, porque as enfermarias estão fechadas se bem se lembram, e a medicação dá pedrada vemos pessoas deitadas pelos cadeirões num desconforto que dá dó. O ar andrajoso que transmitem é gritante. Cheguei a ver um senhor no chão do corredor a bater com a cabeça na parede e ali esteve um bom bocado.

 

A única casa de banho que serve todos os utentes tem o papel higiénico fora da proteção, exigida num estabelecimento público, que estava ausente e pelo que constatei há muito partida. A figura em que estava o papel higiénico, que andava nas mãos de todos, estava indescritível! O aspecto físico degradante do serviço era notório! E era notório que era um serviço esquecido há muito pela administração do Hospital que sabe que doentes psiquiátricos não se queixam e se o fazem ninguém lhes dá crédito. Triste, mas a pura realidade. E triste que a própria sociedade também parece forçar a esse esquecimento. Pois bem, ninguém está livre, isso assusta não é? Não fujam porque o que têm medo ainda vos pega!

 

Num dos dias quem que visitei meu pai ele estava vestido com um roupão que tenho a sensação que nem o meu cão se deitaria ali! Aliás, tenho a sensação quem nem um cão de rua se aproximaria daquilo! Se o roupão lhe tirou o frio e providenciou o conforto necessário? Acho que sim. Mas e a dignidade humana? Mesmo sujeita a perder um roupão vesti-o com outra coisa que não aquilo! Soube depois que outros doentes se encarregavam de ajudar o meu pai a não perder o acessório.

 

E agora o que mais me custou. Estive uns dias sem realizar a visita. Habito longe e tive que trabalhar. Quando fui lá constatei o que a minha prima me dizia pelo telefone. O seu estado era deplorável! Ele necessita de ajuda para realizar as actividades mais básicas como o cuidar da sua higiene. Fá-lo, mas precisa de ajuda. Precisa de ajuda até para lavar a cara e escovar os dentes. Que se lhe diga "agora lave a cara", e ele lava. "Agora escove os dentes". Embora tenhamos que colocar a pasta e dizer quando bochechar e cuspir fora. A cara dele não era lavada há séculos!!! Estava cheia de crostas, unhas sujas, dentes cheios de comida,... a descrição pode estar a ser nojenta, mas foi com esse aspecto mal cuidado que o encontrei!

 

No dia da alta para o vestir mandaram-nos para a tal casa de banho usada por todos os utentes (foi aí que eu vi o estado da coisa) para vestir um senhor de idade, com dificuldades motoras, que não tinha onde se sentar para se vestir e que tinha dificuldade em estar de pé. E nem que não tivesse! Felizmente levava companhia para nos ajudar. Penoso... custava ter-nos levado a uma enfermaria? A um lugar mais aprazível do que aquele?

 

Trabalhar ali não deve ser fácil. Num serviço rejeitado e com rejeitados pela sociedade. É o que vi. Se há bons e maus profissionais, claro! Como em todo o lado. Não me esqueço, no entanto, de uma situação em específico numa das minha deslocações para a visita. Não esqueço da cara da besta, desculpem o termo, mas não tenho outro melhor e que descreva tão bem a energúmena, que ao me abrir a porta do serviço sempre fechado à chave, se apercebe que o meu pai está atrás dela, e ela não sabia que aquele era o significado da minha presença, se vira para ele com ar agressivo e diz "Chegue para lá quero abrir a porta!" depois olha para as suas calças pingadas de sopa, que faz notar a sua falta de destreza, e diz com ar arrogante "Olhe para aí todo sujo e pingado! Que vergonha!". Não vou dizer o que me apeteceu fazer àquela não-pessoa, que fez meu pai olhar com ar confuso para as calças e ansioso para mim. O que fiz foi entrar, passando pela cavalgadura, segurar o meu pai e levá-lo até à entrada da casa de banho de onde tirei um papel e lhe limpei as calças. Podem imaginar o ar com que a peça ficou ao ver que era por "aquele" a razão que eu estava ali.  

 

Ele detestava estar ali e eu detestava que ele ali estivesse. Dizia que o tratavam mal, mas não conseguia explicar as situações.

Espero não voltar a precisar daquele serviço mas sei que poderei vir a precisar... O que fazer? Escrever? Falar? Não sei. As minhas energias não dão para todas as lutas.

 

Neste momento tenho que lidar com o meu pai institucionalizado, e que não sabe que é ali que vai ficar... Que pensa que um dia irá voltar à sua casa que fez com as suas mãos. Como lhe explicar o que ele não entende? Como lhe dizer que ali é onde ele está melhor? Ali tem a vigilância que precisa, os cuidados que necessita e até o carinho que lhe faz bem. Até agora nisso parece que tivemos sorte... Alguma há que tentar chegar até ele.

 

 

 Imagem retirada da net, obrigada a quem a disponibilizou

Quem somos nós?

Imagem retirada da net (obrigada a quem a disponibilizou)

 

 

 

O que me define não são os meus olhos e cabelo castanhos, o meu pequeno nariz e o meu jeito particular de andar, isso quanto mais distingue-me ao olhar de outros, mas não, não me define.

 

Perceber que o corpo que transportamos é uma embalagem que nos carrega é uma tarefa que todos deveríamos assumir.

 

Na nova era da mente e do cuidado que lhe devotamos muito ainda está por fazer. Temos de uma vez por todas de nos mentalizar que devemos cuidar do que somos, da forma como encaramos a vida, os problemas. Não será isso certamente o factor decisivo caso o nosso eu nos resolver pregar uma partida, mas certamente poderá trazer alguma ajuda quando deixamos de ser quem somos e nos tornamos noutro ser que não é  compreendido, que ninguém o conhece e muito menos consegue lidar com ele!

 

Será que ajudará vivermos a vida com mais calma e de forma mais plena?

Será que ajuda tentarmos desfrutar os momentos com a sofreguidão de quem passa por eles só uma vez?

 

Ver alguém que nos é próximo desaparecer enquanto a embalagem, também ela envelhecida, mas reconfortantemente familiar ainda lá está é desesperante, revoltante e deixa uma pura sensação de revolta! Revolta essa muitas vezes dirigida até a pessoa que já não é ela, como se ela tivesse alguma culpa! Como se nós tivéssemos alguma culpa por nada fazer... por nada poder fazer...

 

Queremos trazê-la de volta e tentamos em vão fazê-lo...  ela não nos ouve, ela não compreende o que lhe dizemos, isso irrita-a, torna-a agressiva e isso aumenta, o já de si enorme, espaço que existia entre nós.

 

Mudar o que se passou, quando isso não está, nem nunca esteve nas nossas mãos, mudar uma vida que não foi vivida com alma, mudar a relação que existia entre nós, mudar, mudar,.... agora já não há nada a mudar!

 

Agora somos nós que temos que mudar, adaptar-mo-nos aquele ninguém que ali está.

Um ser que espelha toda a sua revolta sem saber porque é que está revoltado. Triste, intempestivo, obstinado, por vezes agressivo e ao mesmo tempo uma criança, humilde, que faz birras quando a coisa não lhe corre a feição, que mostra o que está a sentir sem pejo nem vergonhas, que não sabe quem é....

 

Tento descobrir como poder relacionar-me com esse ninguém sem raiva, sem revolta, com calma, uma calma que peço para existir, esperando que a vida me dê uma resposta para isto, para alguém que desaparece aos poucos tão cedo, para alguém que desaparece mas está presente. Embora saiba que não há respostas...

 

 

 

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